Vem a propósito do nome desta revista, iniciar a nossa colaboração com alguns, breves, considerandos acerca do título – SURYA.
Surya significa sol. É um termo sânscrito, uma língua morta, muito antiga, indo-europeia. Uma das mais antigas línguas que se conhecem. É também a linguagem técnica do Yoga.
Não estranhará tal escolha como nome da revista, pois parece poder defender-se que o Yoga e pelo menos as artes marciais do Oriente asiático tiveram uma origem comum. Mas a este tema voltaremos em artigos futuros.
Surya é o fogo que aquece e ilumina, mas que também cega e queima. Dá vida e destrói. Da fusão entre o oceano e o sol surgiu a vida. Pois esta obtém a sua energia de Surya.
Surya tem dois aspectos:
a – O primeiro como Surya – é o que aquece, mas é o que queima. É o que ilumina, mas é o que cega. É o que dispensa vida, mas é o que destrói.
b – O segundo aspecto é Savitur – é o poder de dar vida. É o poder básico motivante para a auto-superação. É também o sol que se pode olhar, ao nascente e ao poente. É a este poder inspirador da auto-superação que o Gayatri Mantra se dirige:
OM BHUR BHUVA SVAHA
OM TAT SAVITURA VARENYAM
BHARGO DEVASYA DHIMAHI
DHYO YO NAH PRACHODAYATO
Mantra que numa das traduções possíveis, entre muitas propostas por vários autores, significará: «Amável luz de Savitur, o nosso voto é ter-te em nós, como guia das nossas acções e pensamentos.»
Surya é referido variadas vezes nos Upanishada. Este termo tem como raiz sad, sentar-se. Significa sentar-se aos pés do Mestre, sentar-se perto do Mestre, pois assim era transmitido o conhecimento
Os Upanishada são estudos resultantes de transmissão oral dos mestres aos discípulos, ao longo de milénios, e que foram passados a escrito, os mais antigos em 800 a. C. Existem cerca de 112 Upanishada. No seu conteúdo incluem grande parte dos ensinamentos filosóficos do hinduísmo. Utilizam uma linguagem poética. Os mais antigos são o Bhihad-Aranyaka e o Chandogya.
No BHIHAD-ARANYAKA UPANISHADA aparecem, entre outras, as seguintes referências:
Surya é a luz do homem. «É com a luz de Surya que o homem descansa, se levanta, faz o seu trabalho e regressa.»
4. 3-4
«Considero Surya (…) como o dirigente da luz, a origem de todos os seres na Terra.»
2.1. 1-20
No ISA UPANISHADA aparecem as seguintes referências:
«Ó Surya dador de vida, produto do Senhor da Criação, profeta solitário dos céus! Espalha a tua luz e retira o esplendor que cega, para que possa ver a tua forma exultante (…).»
Neste texto há referência ao aspecto Savitur de Surya, quando aquele que apela diz «espalha a tua luz e retira o esplendor que cega.»
No KATHA UPANISHADA aparecem, entre outras, as seguintes referências:
«O lugar de onde Savitur nascente vem e onde se volta a pôr; onde todos os deuses nascem, e para além do qual nenhum homem pode ir.»
«No espaço ele é Surya, e é o vento e o céu; no altar ele é o sacerdote, e é o soma no jarro. (…) Ele é a verdade e o poder.»
«Como Surya, que observa a Terra não é tocado pelas impurezas terrestres, assim também o Espírito que habita em todas as coisas não é tocado pelos sofrimentos externos.»
«Lá não brilha Surya, nem Chandra, nem as estrelas; os relâmpagos, lá, não brilham, e muito menos o fogo terrestre.»
«Por medo dele arde o fogo, e por medo dele brilha Surya. Por medo dele seguem as nuvens e os ventos, e a própria morte, o seu caminho».
No PRASNA UPANISHADA aparecem, entre outras, as seguintes referências:
«Surya é vida e Chandra é matéria. Tudo aquilo que tem forma, sólida ou subtil, é matéria: por conseguinte, forma é matéria.
Quando Savitura nascente da manhã entra nos céus a Oriente, banha na sua luz toda a vida que há no Oriente, e depois o Sul, e o Ocidente, e o Norte, e todo o céu é iluminado por aquela luz que dá vida a todas as vidas.»
« Surya ergue-se em dourado fulgor! Surya de mil raios mantendo-se fiel numa centena de regiões; o deus omnisciente, o alvo de todas as preces; a luz e fogo supremos, a vida infinita de todos os seres.»
«Mas todo aquele que, na sua procura interior, seguir o caminho do Norte com firmeza, pureza, fé e sabedoria, alcança as regiões de Surya.
«Mas de todos aqueles em quem não há malícia, mentira ou má-fé, que vivem em firmeza, pureza e verdade, desses são as fulgurantes regiões de Surya.»
«Vida é o fogo que arde, é Surya que dá luz.»
«Como quando, antes de cair a escuridão, os raios de Savitura poente parecem todos tornar-se um só no seu círculo de luz, embora à hora de Savitura nascente todos se voltem a espalhar, assim também todos os poderes dos sentidos se tornam um no superior poder da mente.»
«Mas se, com os três sons do eterno OM, ele apoiar a sua mente em meditação no Ser Supremo, então irá até às regiões da luz de Surya.»
No SVETASVATARA UPANISHADA aparecem, entre outras, as seguintes referências:
«Eu canto os hinos dos velhos tempos com adoração: possam os meus hinos pessoais seguir o caminho de Surya.»
«Há uma região para lá da escuridão onde não existe dia nem noite, nem o que é ou o que não é. Só lá está Shiva, o deus do amor. É a região do glorioso esplendor de deus, de quem veio a luz de Surya e de quem, no princípio veio a sabedoria dos antigos.»
No MAITRI UPANISHADA aparecem, entre outras, as seguintes referências:
«Aquele que está em Surya, e no fogo, e no coração do homem é único. Todo aquele que sabe isto é uno com o único.»
6.17
«Glória seja dada a Aditya, o deus de Surya, que habita no céu e que se lembra deste mundo. Dá este mundo àquele que te adora.»
6.35
No TAITTIRIYA UPANISHADA aparecem, entre outras, as seguintes referências:
«Eu sou o alimento que come o comedor de alimento.
«Eu ultrapassei o universo, e a luz de Surya é a minha luz.»
3.10.6
As referências supramencionadas não são exaustivas, nem pretendem sê-lo, mas permitem-nos aferir da importância de Surya, na tradição hindu.
Como o tema deste artigo é SURYA, cabe tecer mais alguns comentários sobre umas das práticas de ásana mais antigas do Yoga – o Surya Namaskara. Ásana é a técnica física do Yoga. Ásana são as posições psicofísicas.
Não iremos descrever toda a sequência de execução, não só porque já existem várias obras sobre Yoga que o fazem, como também a execução do ásana deve aprender-se com um Mestre de Yoga e não por um artigo. Assim transcrevemos parte do texto, não publicado, duma conferência nossa, Yoganidra. Técnica de Relaxação, que proferimos em 1997:
SURYA NAMASKARA
Esta prática é um antigo vestígio da forma como o Yoga era praticado. A sua prática fazia-se de modo continuado, sem paragens estanques entre cada um dos ásana. Ficam os desenhos da sequência em que deve ser exercitado.
Cumpre tecer ainda alguns comentários sobre o Surya Namaskara, no sentido de melhor se compreender o seu fundamento e simbolismo, de acordo com os preceitos do Tantra/Sámkhya:
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