Shiva Natarája Nyása, ou Tándava.

TEXTO CÍRCULO DE LEITURA – JULHO 2019

Diferenças de denominação para uma mesma arte? Como logo no início o vimos, e só exemplifiquei com o Karate, este, com uma história muito mais recente, pode ser Tê, Todê, Okinawa Tê, etc.. Quando vamos muito mais longe, 5 ou 6 mil anos atrás , vamo-nos deparar com muito mais dificuldades em destrinçar nas fontes e no resgate que, por vezes, é feito pelos canais intuicionais. Assim há autores que chamam a esta arte antiga Kalaripayt, outros que dizem ser o Vajramushti, ou ainda Tenziku Naranokaku.
Em suma poderemos afirmar que há pelo menos um ramo das artes marciais que vai da Índia para China e desta para o Japão. Há outro ramo que vai da Índia para a China, desta para Okinawa e desta para o Japão. Para Ocidente vamos encontrar fenómenos interessantes. Vamos encontrar as artes marciais gregas, que ainda hoje conhecemos como luta grego-romana. Mas eram muito mais complexa do que hoje se nos apresentam. Tendo aí, na Grécia, por exemplo, o pancrácio. Origem autónoma? Não o sabemos. Mas sabemos que as tribos que chegam à Grécia, como, entre outros, os Dórios e os Jónios, são tribos arianas vindas de leste, da Índia, do Afeganistão, etc… Após os contactos com os drávidas terão levado as suas artes de combate para a Grécia. É uma hipótese altamente provável. Por outro lado, os gregos conheciam o Yôga e os mestres de Yôga que viajaram da Índia para a Grécia. Chamavam aos mestres de Yôga os gimnosofistas, os filósofos nus. Alexandre viajou para a Índia, num percurso de retorno de uma tribo ariana que daí tinha saído e que regressou a casa. Aliás, ao aí chegarem os gregos de Alexandre integraram-se perfeitamente nos cultos a Shiva. Pois cultuavam-no como Dionísio, o Deus de Nisa. E o Deus de Nisa é outra das formas como Shiva é conhecido e tratado na Índia.
Cada povo desenvolve os sistemas de combate de acordo com as circunstâncias históricas, económicas, políticas, culturais vigentes. E as artes marciais indianas, nos últimos milénios, não foram excepção. Sem entrar em pormenor, vamos aí encontrar, com a evolução específica de cada escola, ou de cada região, com a experiência de combate deste ou daquele mestre, diferenças entre as escolas do Norte e as do Sul, entre as escolas internas e as externas. Entre as que usam mais armas e as que usam menos armas, etc.. mas não conhecem este fenómeno? Não é assim nos ryus que praticam? Não é assim entre as escolas de Karate e entre as escolas de Aikido? Não é assim entre o Judo do Kôdôkan e o Judo do Butokukai? E muitos outros exemplos vos poderia dar.
Deixo-vos algumas notas, poucas para não vos cansar, mas que documentam, em parte o que vos tenho exposto. Mas para a extensa fundamentação bibliográfica destes dados tenho vários artigos publicados, seja na MON. Actualizações de Budo, como nas revistas online, Surya online e na Y .

Shiva, enquanto criador do Yôga, é muitas vezes representado como guerreiro:

• Tem como «emblema» principal o trishula, a lança tridente , “a sua arma como herói” – Machado de guerra – labris -«espada (….) um laço, um escudo»

• armado de arco e flechas , sendo designado, quando assim é, como Sharva (o arqueiro) . O seu arco tem o nome de Pinaka.

• Tem um exército – buthagana. Ganêsha é o comandante-em-chefe dos gana (demónios). Aliás esta divindade, habitu-almente representada de modo prazenteiro, até com flores na cabeça, é um temível combatente e tem o seu nome composto das palavras gana (demónio) e isha (Senhor). De onde resulta Ganêsha – o Senhor dos demónios.

• E, maxime, Shiva é “o Deus da Guerra (sômaskanda)” outras vezes é apresentado como “le dieu des soldats”, como surge em L ‘Hymne aux Cent Rudras de Vájasênêyi Samnita (Yajur Vêda, 16, I)

Referi-vos o Bhagavad Gítá. Para finalizar a exposição teórica, antes de passarmos a um pouco de prática, vou ler-vos um pequeno excerto desta escritura.

Bhagavad Gitá

Depois de ver o exército pandava
disposto a combater, Duryôdhana
aproximou-se do seu mestre d’armas
e a ele se dirigiu desta maneira:

Dos filhos de Pandu, este exército imenso
(alinhado pelo filho de Drupada,
o teu aluno mais inteligente),
ó Instrutor, observa bem em pormenor.

Vê os grandes heróis, grandes archeiros,
que são iguais, na luta, a Bhíshma e a Arjuna:
Yuyudhana e Virata e mais Drupada,
exímio condutor do grande carro;

Dhrishtakêtu, aquele cuja luz brilha intensa;
o valoroso rei de Káshi; Kuntibhôja
e Chakitana e Purijit, que conquista
em extensão; e Shaibya, entre os homens, um touro;

Yudhamanyu, o lutador subtil;
o do poder mais alto, Uttamaujas;
de Draupadí, os filhos e o filho de Subhadra,
todos guerreiros poderosos nos seus carros.

Agora, ó eleito entre todos os bráhmana,
ó tu, tu que nasceste duas vezes, dos notáveis
que estão aqui do nosso lado
conhece os principais do meu exército.

Tu, primeiro que todos e, logo de seguida,
Bhíshma, e, depois, Karna, o que nasceu com brincos;
e também Kama, Kripa e mais Ashvattháma
e Vikarna e o grão filho de Sômôdatta;

tantos, tantos heróis, tão numerosos
por minha causa dão a sua vida,
combatendo com toda a espécie d’armas,
n’arte da guerra todos bem treinados.

Vírabhadra namaskára

Convido-vos, então, a uma pequena prática de Yôga. O Yôga Antigo, resgatado por Shrí DeRose na passagem ao terceiro milénio, tem como uma das suas oito principais características, as sequências coreográficas de ásana e mudrá. E sabe-se que assim era na antiguidade, pois, entre outros dados, encontram-se duas antigas sequências que nos dão uma boa ideia de como o Yôga era praticado. E uma dessas coreografias é o Vírabhadra namaskára. Uma saudação a um herói guerreiro. Conto-vos a lenda que lhe está associada e depois vamos experimentá-la no nosso corpo.

Diz esta lenda, da qual há pelo menos três versões, que Shaktí casou com Shiva contra a vontade de seu pai, que era o rei de ariano de uma cidade-estado. Por vezes Daksha, pai de Shaktí, também é apresentado como se fosse uma divindade. Shaktí vai viver com o marido para o monte de Kailasha. Passados muitos anos Shaktí tem conhecimento de que o seu pai marcou uma celebração de culto aos deuses, uma faustosa celebração, mas foi convencido pelos sacerdotes a não prestar culto ao genro – Shiva. Assim não convidou para a festa nem a filha, nem o marido desta. Shaktí, indignada quer aparecer no local na data da celebração. Shiva desaconselha-a de participar em tal festejo. Ainda assim, Shaktí compareceu. Presente estava toda a alta sociedade ariana, outros reis de cidades-estado, nobres, sacerdotes, na lenda também os deuses dos arianos compareceram. Daksha quando a vê, insulta e injuria da pior maneira Shiva. Shaktí sentiu-se tão insultada e humilhada pelo desprezo do pai pelo seu amado esposo, que se lançou às chamas sacrificiais. Morreu queimada.
Shiva sente-se afrontado pela morte da amada Shaktí e decide punir o sogro. Então arrancou um dos seus cabelos da cabeça e a partir dele criou um poderoso herói, de nome Vírabhadra. Ordenou-lhe que comandasse os exércitos de Gana, os demónios de Shiva e que destruísse a cidade de Daksha. Vírabhadra destrói a cerimónia de Daksha, vence e dispersa os deuses presentes, vencendo-os. Afugenta os sacerdotes. E entrega Daksha a Shiva. Enfrentaram-se num combate singular, em que Shiva usou a arte marcial secreta, parte do Yôga, o Shiva Natarája Nyása, ou Tándava. E esmagou-o sobre os pés. Quando observamos uma estátua de Shiva no Tándava, verificamos o pormenor de Daksha, debaixo dos seus pés armado com escudo e espada, a ser esmagado. Outra interpretação diz-nos que Shiva esmaga sob os seus pés o demónio da ignorância.

Mestre João Camacho

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