Geometria para conhecer-se a si mesmo

TEXTO PARA REUNIÃO DO CÍRCULO DE LEITURA DE SETEMBRO 2019

 

Platão, no livro VII da República diz que a finalidade da Geometria não é só medir linhas, superfícies ou volumes, ou as relações entre ambos, é elevar o olhar da alma para a
contemplação daquilo que não morre.
Um triângulo equilátero, por exemplo, definido pelos seus ângulos iguais, é ele mesmo quer seja do tamanho de um átomo ou do universo inteiro, estático ou em movimento, só ou acompanhado de outras figuras geométricas. E não encontramos nada na natureza que os nossos sentidos percebam que não dependa total ou parcialmente do quando, do como, de onde, se está parado ou dinâmico, ou seja, depende sempre das mudanças no espaço, do tempo e da circunstância.
Trabalhar na investigação das propriedades das figuras geométricas e das suas relações, traçarmos nós mesmos estas figuras (polígonos regulares, circunferências, linhas
tangentes, etc.), serena as nossas mentes, ordena-as, desperta intuições e faz-nos vislumbrar o mistério do que não muda, e portanto, estabelece a ponte com aquilo que é mais eterno dentro de nós.
Este é o motivo por que na educação clássica foi incluída a Geometria no Quadrivium. Além disso, cada elemento geométrico é o esqueleto simbólico de muitas noções, ideias, vivências, é a chave que permite abrirmo-nos ao seu sentido. Toda a situação vital, todo o problema, todo o processo da natureza poderia ser decifrado se encontrarmos a
chave geométrica da qual depende. A geometria do átomo permitiu-nos conhecer todos os elementos da Natureza e os das moléculas que formam a estrutura armilar em si das formas vivas e as suas propriedades físico-químicas, e a geometria espiral do ADN na linguagem da vida no nosso planeta.
A mesma linguagem popular expressa conceitos muito profundos com palavras ou frases que não são senão percepções ou vivências geométricas de um dado assunto.
Dizemos “estás descentrado” e todos temos uma noção clara do que isto significa; ou falamos de “rectidão moral” ou de uma vida “sinuosa” ou de um olhar oblíquo, tendencioso. Olhamos para cima e para a esquerda para recordar (passado), e para cima e para a direita para imaginar ou projectar (futuro).

Os generais chineses diziam que quando se dá uma ordem, há que sentir que a linha do seu peso moral nos leva ao centro da terra, e o filósofo Sri Ram (1973) disse que a
Educação é uma elipse cujos focos são os pais, por um lado, e a Escola, por outro; os nossos caminhos de vida encontram-se ou separam-se, embora sigam a mesma direcção,
falamos de se encontrarem, mas no infinito; os incas diziam que a Raiz de 2 (a hipotenusa de um triângulo rectângulo cujos catetos são a unidade) é o “caminho da verdade”, pois é o caminho entre o que somos aparentemente como sombras projectadas na terra, e que somos realmente, e assim, poderíamos continuar a fazer correlações até o infinito, pois os mesmos mundos internos e externos são-no relativamente: desde um qualquer ponto dado numa espiral, o que se abre ao infinitamente exterior é idêntico ao que se submerge até ao
infinitamente interior.
A Geometria é determinante na arte de aprender a pensar rectamente, e também na de perceber as analogias que existem na natureza, esqueleto da compreensão dela mesma.
É muito belo voltar a sentirmo-nos jovens, quase crianças, e voltar a encontrar geometricamente (e não só aproximadamente) o centro de um círculo, ou desenhar
polígonos dentro dele, ou circunferências ao redor de um triângulo ou de um quadrado; encontrar das tangentes a uma circunferência num ponto dado, traçar um pentágono (o
grande segredo pitagórico), ou racionalizar a medida de uma linha (o desconhecido) dividindo-a num número de partes iguais, seguindo as diretrizes do mesmo sábio grego a
quem se atribuiu a máxima “Conhece-te a ti mesmo”, ou seja, do filósofo Tales de Mileto.
Além disso, como cada um destes elementos geométricos é um símbolo, uma janela que nos abre a uma infinidade de significados, podemos fazer filosofia só com eles e com a
relação com o que sobre a vida conhecermos ou pensarmos.
Podemos fazer estas simples experiências geométricas, para lançar desde a circunferência do que somos um raio que
ilumine o interior, uma ponte para dentro, e conhecer-nos melhor a nós mesmos. Pois, como figurava escrito no frontispício do templo de Apolo em Delfos:

CONHECE-TE A TI MESMO E CONHECERÁS O UNIVERSO E AS LEIS QUE O GOVERNAM.

Fernandez, José Carlos, in Matemática para Filósofos, 1 de Agosto de 2019

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