“Assim falava Zaratrusta” de Nietzche.

Texto para a reunião do Círculo de Leitura de Abril de 2019

Não concordo em muito com este filósofo que pensa a metafísica ocidental levando-a ao extremo do nihilismo (nihil – nada). Dado que o Ser é apresentado como algo dado e que não se põe em causa, este filósofo, pensando, de modo não sistemático, o sistema platónico, quer levar a metafísica a um ponto de negação do Ser. Devemos, também a Nietzche a construção de uma uma crítica de combate ao positivismo, com a afirmação da primazia de tudo aquilo que é interno e instintivo.
É também este filósofo que abre caminho, com a sua obra Origem da Tragédia, primeiro ao que, mais tarde a antropóloga Ruth Benedict (Padrões de Cultura), vem a transformar em modelo científico para análise da natureza das sociedades. Nietzche, nesta obra distingue dois grandes princípios que serão a matriz da cultura europeia: princípios fundamentais, e que irão servir de matriz para analisar a cultura Europeia: o Apolíneo e Dionisiaco.
O princípio Apolíneo (por referência ao deus sol, o deus Apolo), tem as características da serenidade, claridade, medida, racionalidade. Corresponde à imagem que se tem da Grécia antiga e clássica. Grécia dos grandes filósofos Sócrates e Platão. Mais tarde a Dr.ª Benedict vem a referir estas sociedades como sendo também sociedades de paz, de pouca inovação e governadas por idosos, onde têm uma posição respeitável e respeitada.
Já o princípio Dionisíaco (do deus Dioniso – se se recordarem do estudo comparativo de Alain Daniélou, Dionisio é o Deus de Niza, ou seja Shiva), simboliza as forças impulsivas, o excesso transbordante, o erotismo, a orgia, a afirmação da vida e dos seus impulsos (força, vontade, poder, energia). Para a Dr.ª Benedict, são sociedades governadas por jovens, por impulso e pouca reflexão.
Estes princípios estavam presentes na tragédia e na cultura grega, até Sócrates. Sócrates, como asceta que também era, acaba por conseguir o estado de Sattwa, embora não use este termo, pois submete os excessos dos impulsos vitais e a sua energia excessiva, sem os negar, ou ignorar, à análise e escolha da razão. Para Nietzsche tal é o início da decadência da tragédia. Para Nietzche a dupla Sócrates/Platão marca na cultura ocidental a repressão dos instintos vitais e a negação do prazer.
Porém, Nietzche não deixa de ser influenciado por aquilo que combate e nega. Aliás afirmar algo ou o seu contrário, acaba por ser, em termos filosóficos muito semelhante. Pois a concepção filosófica deste pensador assenta num conceito muito caro à Grécia clássica – o princípio do eterno retorno. Tudo tende para o seu início. O cidadão grego, pode viajar por todo o mundo que tenderá a retornar à polis de onde saiu. O universo, o cosmos, pode organizar-se que tenderá a retornar ao seu início. Ou seja, tudo voltará a repetir-se num novo ciclo. Este pensamento leva Nietzche a propostas políticas que são o suporte filosófico do fascismo e do nazismo. Com a decadência anunciada por Sócrates/Platão, a decadência da cultura ocidental acentua-se com o cristianismo e consagrada pelos regimes democráticos e a ascensão dos pobres e desfavorecidos ao poder. Tal decadência só terminará com a transformação do homem, que deverá transmutar-se e elevar-se. Deste homem transmutado deverá surgir o Super-Homem. E apenas essa pequena elite, dos que alcançaram tal condição, deverá governar. É óbvio que este pensador alemão se opõe ao igualitarismo, ao humanismo e à democracia.
Nos textos de Nietszche há muito de verdade no caminho de ascese preconizado pelo Yôga. Atente-se:
«O corpo purifica-se pelo saber; eleva-se por tentativas conscientes; para o servidor do conhecimento todos os instintos são sagrados; e, chegados ao cume, a alma enche-se de alegria.»

«Imitai o vento que se lança para fora das cavernas da montanha. Ele quer dançar ao som da sua própria flauta, e os mares estremecem e ondulam debaixo dos seus passos.»

«Elevai os vossos corações, meus irmãos, erguei-os alto, e mais alto ainda! Erguei também a perna, bons dançarinos, e melhor ainda: mantende-vos um pouco sobre a vossa cabeça.»

«Nesse instante, o vosso corpo eleva-se acima de si próprio e ressuscita. A sua alegria encanta o espírito que se torna criador; e, tornado criador, ele avalia, ama e prodigaliza as suas dádivas a todas as coisas.»

Mestre João Camacho

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