Y – Revista Online

Chakra e glândulas

Epístolas aos meus discípulos:

 

Meus queridos,

 

Deixo-vos um quadro, rudimentar, com paralelismo entre os chakra e as glândulas correspondentes. É uma informação que podem obter em qualquer livro. Mas deixo-
-a já destilada. Tenho com isso o objectivo de vos chamar a atenção para estas correspondências. Muito do que ocorrer no corpo físico, em consequência da prática de Yôga, provém da reacção das glândulas. A juventude, muitas vezes o rejuvenescimento, a longevidade, a boa saúde, que costumam ser apanágio dos praticantes de Yôga (ah, e no caso dos swástha yôgis, parece ser imortalidade J), é corolário do funcionamento óptimo, equilibrado, das glândulas. Mas também a manifestação de siddhi, nos quais o corpo físico também interfere, resulta, em grande parte, da acção das glândulas e, obviamente, das hormonas que produzem. Certamente já ouviram falar do fenómeno poltergeist. Há até um filme, já com uns bons anos, que se debruça sobre esse fenómeno. Habitualmente esses fenómenos ocorrem em casas e famílias onde há adolescentes entre os 10-12 anos e os 19-10 anos. Como saberão também, a glândula pineal, glândula cujo funcionamento é algo estranho, actua intensamente durante aquele intervalo de tempo. Por outro lado, tal glândula, corresponde, aproximadamente, no corpo físico, à localização do sáhásrara chakra. E, singularmente, tal glândula, na nossa idade adulta, parece ter a função de reagir à luz. Ou seja, perante a luz, acorda-nos. Se abrirmos a janela do quarto de alguém que dorme, será uma das formas mais adequadas de acordar essa pessoa. Mas sobre esta glândula, deixo ao Prof. A., para quem estes apontamentos também são remetidos, o apelo a que nos encaminhe algumas informações que tenha sobre a mesma e sobre o seu funcionamento.

Estes apontamentos, que vos vou deixando, resultam da minha necessidade de vos comunicar muito sobre o SwáSthya Yôga que habitualmente não está à luz do dia, por muitas e variadas razões. Desde logo porque não se dão pérolas a porcos. Na viagem vai-se indicando este ou aquele aspecto. Vamo-nos transformando com o processo evolutivo. E os arcanos vão sendo comunicados e nós passamos, gradualmente, a ter a capacidade de os entender e de os incorporar de modo a servirem o nosso caminho para a luz. Vou conversando tudo isto convosco, porque sois tão excepcionais que estimulais em mim a necessidade de vos comunicar todas estas pequenas e insignificantes coisa, que vou conseguindo partilhar. Faço-o também, para que a profundidade iniciática do SwáSthya Yôga não se perca entre nós. Pois, infelizmente, em muitas escolas de Yôga, até a referência a chakra, kundaliní, é olhada com desconfiança (a desconfiança resultante de, aquele instrutor de Yôga, em concreto, não saber do que falamos, de nunca ter tido a mais pequena experiência energética, a mais pequena vivência, seja por si e em si, seja pelo contacto, o toque, a presença do seu mestre – e quando assim é, difícil se torna compreender do que se fala). E assim, poupo-vos o trabalho de acederem ao inconsciente colectivo para redescobrirem, mais uma vez, o que já foi descoberto, cujo dever dos que conhecem (o pouquito que “conheço”) é ensinar, transmitir aos discípulos.

Antes de, finalmente, passar ao dito quadro, ainda vos quero dizer porque razão Shrí DeRose é o meu Mestre. É-o antes de mais porque me aceitou como discípulo. Mas também porque foi e é por ele e através dele, ou seja, da motivação que me proporcionou, por si, através da sua palavra, do seu ensinamento, que consegui fazer as minhas práticas de Yôga e concentrar-me o suficiente, para aceder, quando o momento me é favorável, ao inconsciente colectivo e ajudar a resgatar conhecimentos ancestrais que são património da humanidade. Como afirma, no seu último livro, Mestre Sérgio Santos, no SwáSthya Yôga, por vezes, quando escrevemos, o que estamos a fazer é quase psicografia. Não à moda dos médiuns, que escrevem sem saberem o quê, sem terem consciência do que escrevem. Mas, de modo consciente, pomos para o papel esses conhecimentos de antanho, que se resgatam do akasha. É pela força da sua inspiração e do seu exemplo, que tenho Mestre DeRose, como meu Mestre.

Cá segue o dito quadro:

 

Chakra Significado Correspondência física
Localização Glândula

endócrina

Hormona
Da flor Da raiz
Sáhásrara De mil pétalas Brahmarandra

Crânio: fontanela, ou bregma

Cérebro: sulco central ou de Rolando

Glândula Pineal Pineal ou epífise Melatonina
Ajña Comando Bhrumadhya. Intercílio. Glândula pituitária + hipotálamo Pituitária ou hipófise (+ hipotálamo) (Hipotálamo) – Hipófise posterior.

(Neuroipófice):

– Vasopressina – ADH ou hormona anti-diurética

– Oxitocina

Hipófise anterior (adenoipófise):

– Somatotrofina – GH, ou hormona do crescimento – HCH

– Prolactina

– Tirotrofina – TSH

– Adrenocorticotrofina – ACTH ou corticotrofina

– Folicolina FSH

– Luteína

Vishuddha Purificação Kantha múlá sthana, garganta. 4.ª vértebra cervical Tiróide/paratiróides Tiróide:

– Tiroxina – T3

– Triodotironina – T4

– Calcitonina

Paratiróides:

– Paratormona

Anáhata ou

(Shabda Brahman)

Onde se escuta o som Sobre o coração, com um desvio para o lado esquerdo. 6.ª dorsal Timo Hormona tímica
Manipura Reluzente como uma jóia. A cidade das mil pedras preciosas Nabhi sthana – sobre o umbigo 4.ª lombar Pâncreas. Ilhéus de Langerhans

Supra-renais

Pâncreas – Ilhés de Langerhans:

– Insulina

– Glucagon

Supra-renais – córtex:

– Mineralocorticóides – aldosterona

– Glucocorticóides – cortisol (cortisona)

– Androgénios – androstenediona

Medula:

– Epinefrina (adrenalina)

– Norepinefrina (noradrenalina)

– Dopamina

Swádhisthána Fundamento de si mesmo Yôni/Linga 4.ª sagrada Glândulas sexuais ou gónadas (ovários/testículos) Ovários:

– Progesterona

– Estradiol

– Estrona

– Testículos:

– Testosterona

– Androstenediona

– Estradiol

– Estrona (estrogénios)

Múládhára Suporte da raiz Guna sthana – períneo, junto do ânus. Kanda – 3.ª coccígea Corpo de Luschka

 

SwáSthya

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya.

Dsicípulo de Shrí DeRose

«Sou irmão de dragões e companheiro de coruja.»

Celebro os ciclos

              Deixo-vos um texto, inspirado, que escrevi à nossa senescal.

              Hoje passei numa floresta que cheirava a floresta. Com um cheiro húmido, a uma infinidade de plantas, árvores de várias espécies e algo de abafado, um certo cheiro a decomposição de matéria verde, orgânica. Há muitos anos que não sentia tal cheiro. Foi inebriante, foi tão bom, tão sereno. Abri a janela do carro, fechei os olhos e deixei-me envolver na experiência. Por vezes, estes pequenos momentos, estes instantes, chegam a compensar todas as chatices de um ano inteiro.

              Quando assim é sinto-me parte de toda a Natureza. Sinto-me sólido, denso e ancião como as pedras, sinto-me arguto, ágil, feroz, sereno, sem esperança, mas sem desânimo, como os animais, eterno na mudança, igual no renascimento; como as plantas, sinto-me um parente afastado dos Elementais.

              Sinto-me em comunhão com esta grande família, como se já lhe tivesse pertencido, como se tivesse que buscar em mim a harmonia que anseio.

              Recentemente falei-te que o equinócio de Outono havia chegado. Ainda não há muito tempo assinalávamos a chegada das estações, procurava despertar-vos para o fecho e o início de ciclos, através da mudança das estações. Procurava, convosco, celebrar a mudança das estações. Assinalávamo-las com cânticos (mantra), dança (ásana), festas (as delícias que compravam ou preparavam com as vossas mãos e o vosso amor). (…) Ainda assim, eu celebro cada giro da Roda com as minhas práticas, por vezes, na floresta, ou no cimo da montanha.

              Eu celebro outros momentos, alguns adequados a descobrir o passado, outros nos quais se deve olhar, contemplar, o futuro. E trabalho esses momentos com toda a liberdade, onde presto homenagem aos que me precederam e aos que amo, assim como aos que me hão-de suceder. Honro a luz do sol, queimando um tronco, ou melhor parte dele, de carvalho (dru para os celtas) na lareira, no Inverno, num fogo que adquire, por esta razão, contornos de sagrado, assinalando o Solstício de Inverno. Honro o sol cuja luz é diminuta. Honro a nova criança-Sol que acabou de nascer (chamam-lhe de natal, chamam-lhe de Menino Jesus), é um festival de paz e uma celebração da minguante luz solar. Honro a Grande Mãe, na sua forma de azevinho, na sua forma de hera, e outras ervas tidas como sagradas, com que procuro decorar a minha casa, por altura do que se chama de Natal. Por volta desse tempo, vou de noite para a minha varanda, e sento-me nesta, no azulejo do chão, e deixo-me por ali ficar, a comungar com as cortantes temperaturas de -4 ou -5 graus que às vezes se registam, de noite, onde moro. Deixo-me ficar por lá a receber no corpo a luz da Lua.

              Em Janeiro ou Fevereiro, procuro da terras altas e geladas onde procuro harmonizar-me com outro tipo de frio, com a neve e as suas especiais características. Em Fevereiro, procura intensificar a minha purificação, aproveito para mais uma fase de bhutta shuddhi, eliminando bloqueios, de modo a receber, condignamente, nos meus corpos, a Primavera e o novo renascimento. É na Primavera que vos tenho proposto novos objectivos, que vos convido para actividades artísticas, pois celebro-a, assim como à terra que está verdejante. Maio é um verdadeiro festival de luz, cor, cheiro, flores, fertilidade, prazer.

              No Solstício de verão, momento principal de reunião e de união de forças e de energias, procuro saudar os velhos amigos. Procuro honrar com ritmo, o movimento do sol, agora forte e pujante. Em Agosto celebro o ápice do Verão.

              Estamos no equinócio de Outono, que é o momento final de um ciclo. É tempo de devolver à terra o que esta nos facultou.

              Mas também honro as minhas jornadas, da minha vida, dos ciclos de crescimento e de recuo, de frutificação, de colheita, de paragens e de recomeços. A minha vida como a de todos, mesmo que disso não tenham consciência, é uma sucessão de ciclos. Que se vão desenvolvendo desde o nascimento até à morte desta, de novo, até que a morte sobrevenha.

              Mas estes ciclos, de mudança e renovação, não ocorrem só na minha vida, mas também na estirpe de onde provenho, na herança da Nossa Cultura, com os quais a minha vida se conecta, dos meus antepassados até hoje. Dos meus mestres, até vós, dos meus mestres até ti. Toda a minha herança, e os ciclos pelos quais passaram fazem parte de mim. É a antiga sabedoria da Renovação, Destruição, Conservação, contida e expressa nas lendas e ensinamentos de Shiva.

(…)

              Honro a natureza, nas árvores, na floresta, nas ervas, no jardim, nos pássaros, na montanha.

              Sei que, tanto os obstáculos como a evolução, têm muitas facetas. Por isso deixo que o sol me energize; deixo que a água do oceano me purifique; deixo que o vento gelado, pouco a pouco, faça a vida esvair-se de mim, pouco a pouco vá levando o meu sopro; deixo que os bosques e as florestas me renovem, me façam sentir como se fosse de novo uma criança; deixo que Pashupati me proteja na montanha. Deixo que as árvores me falem e que a sua linguagem flua por mim. Deixo que fluxos de energia passem pelas minhas mãos na montanha. Deixo que as grutas, às vezes, tão só, meros buracos numa parede rochosa escarpada, me protejam, deixo que estas experiências me perpassem nas minhas jornadas internas, enquanto busco, sozinho, o caminho para o centro. Dessas jornadas, por vezes, regresso, de outras dimensões, com conhecimento. A introspecção, a intuição, a percepção do subtil, é algo natural e comum aos seres humanos.

              Faço o que posso para transmitir um pouco do que aprendi, daquilo que me foi ensinado, preocupo-me em ensinar qual o caminho através do qual poderão encontrar maior equilíbrio, que terão de buscar na própria vida. Procuro, com o conhecimento obtido, ser um catalisador, que faça desvendar em vós o que cada um tem de melhor.

 Cantanhede, Setembro de 2008

© João Camacho

Bandha

                        Bandha significa fecho, controlo, contracção. São contracções ou compressões de plexos e glândulas. Actua sobre glândulas endócrinas e plexos nervosos e no nosso sistema têm por finalidade despertar e controlar as energias subtis que circulam no nosso corpo. Profundamente fisiológicos, criam um estado de consciência entre o ásana e o Yôganidrá.

A prática de pránáyáma é indissociável da prática de bandha e mudrá. Têm a função de controlar e guiar o prána absorvido, produzido, ou posto em circulação pelo pránáyáma.

                        Os bandha têm a função de fusíveis, ou de interruptores de segurança, que impedem curto-circuitos energéticos.

 

Jalándhara Bandha

O fecho da rede

O queixo pressiona o cimo do esterno e estes ossos ficam juntos. Fecha as 16 partes vitais (ádhára), destrói a morte. As 16 partes vitais são: polegares, tornozelos, joelhos, fémures, prepúcio, órgãos de reprodução, umbigo, coração, pescoço, garganta, palato, nariz, intercílio, testa, cabeça, fontanela (brahmarandhra).
Uddiyana Bandha

Voar; Para Cima

O Grande Pássaro é forçado a voar para cima através do sushumnâ; emancipando-se com facilidade, conquistando a morte.
Múla bandha

contracção da raiz da base

Destrói a decadência; controla o prána

 

 

Jalándhara Bandha

O Fecho da Rede

 

                        Consiste na compressão do queixo sobre o peito, na zona da depressão jugular, a cavidade da união das clavículas. É citado no Yôga Chudamani Upanishada, Shiva Samhita, Hatha Yôga Pradipika e Yôga Mimansa e no Ghêranda-Samhita.

Protege o cérebro da desoxigenação. Desde que bem feito fecha as artérias carótidas e as veias jugulares, permitindo que o sangue arterial fique no cérebro, que, não obstante ser o maior consumidor de oxigénio do nosso corpo, em repouso não consome quase nenhum. Como a grande circulação também não se faz, o sangue que fica no cérebro é suficiente para protegê-lo. As zonas baixas, maxime as pernas, também consomem muito pouco oxigénio, tal como já vimos acima, quando tratamos o ásana.

Evita o congestionamento do rosto. As grandes pressões internas, provocadas pela absorção de 5,5 l ar são mantidas abaixo da epistole evitando-se assim prováveis lesões no canal auditivo, trompa de eustáquio, cóclea. Para se conseguir máxima compressão este bandha deve ser acompanhado de jíhva bandha, que trataremos abaixo.

A finalidade do pránáyáma é a ausência da respiração, num estado de auto-suficiência, que só se atinge com a diminuição das funções vitais. Ora acontece que durante as retenções o batimento cardíaco aumenta, o que não deveria acontecer. Os batimentos deveriam diminuir e estabelecer-se um ritmo poderoso, mas lento. Porém o sistema simpático aumenta o ritmo cardíaco, o impulso respiratório e o metabolismo basal. Parece então que o que conseguiríamos com o kúmbhaka seria o contrário do que se pretenderia. Se assim fosse não passaríamos de aprendizes de feiticeiro.

                        Este bandha alonga as vértebras cervicais e a espinal medula. O que conduz à compressão do bolbo céfalo raquidiano onde se inicia o nervo vago, pneumogástrico, o principal nervo parassimpático, parte integrante do sistema nervoso autónomo. O gânglio plexiforme também é comprimido, e deste parte o ramo cardíaco-cervical do nervo vago. Assim desencadeia-se uma acção reflexa de diminuição das funções vitais e do batimento cardíaco.

Ora o estímulo do bolbo raquidiano, centro de comando respiratório, localizado por cima da medula oblonga na base do tronco cerebral, reage à condição psicofisiológica global que ocorre no sádhaka. Assim reage ás variações do ph do sangue, às variações do CO2, às variações de O2, às diferenças de pressão sanguínea. Adapta a respiração às condições internas e externas existentes, determinando uma diminuição das funções vitais, aumenta as secreções gástricas. Consegue-se um estado pré-comatoso de modo consciente. Desta forma inicia-se o reflexo de mergulho, em que as pulsações baixam de 70 por minuto para 12 por minuto. O sangue é retirado de outros órgãos para ser concentrado no coração e no cérebro, suprindo assim as necessidades destes órgãos. O oxigénio contido nos músculos é libertado e o metabolismo altera-se. O organismo começa a decompor o açúcar existente no sangue, produzindo ATP e ácido láctico. A temperatura corporal sobe por falta de ventilação. Os pulmões entre outras cumprem uma função de regulador térmico do corpo, ventilando-o. Durante uma retenção essa função não é cumprida. A respiração celular é estimulada, com consequente aumento e libertação de energia. O corpo transpira devido à degradação de ATP, que produz imenso calor.

A respiração celular é um estimulante geral do nosso organismo. Rejuvenesce e aumenta o período de juventude saudável, diminuindo o período de velhice senil.

Para além do fenómeno já descrito ainda há a considerar a cavidade jugular onde se localiza o sinus carotidiano, local onde a carótida se bifurca, seguindo depois uma pelo lado esquerdo, outra pelo lado direito do pescoço.

Do sinus carotidiano saem nervos, barorecpetores, isto é, terminações nervosas sensíveis à pressão, que, comprimidos, modificam a actividade do cérebro e o estado de consciência. Determinados estados de consciência alterada, só passíveis de ser alcançados com grande prática de meditação, podem ser «facilmente» alcançados com este bandha. Toda a compressão nesta zona produz, por via reflexa uma diminuição da tensão arterial, dos batimentos cardíacos e da respiração, pois estas fibras nervosas estão ligadas ao sistema parassimpático, que tem sobre estas funções a acção de refrear.

Em termos energéticos o jalándhara bandha transforma prána em apána.

 

Uddiyana Bandha

Voar; Para Cima

 

Este bandha é citado pelo Ghêranda-Samhita.

O processo de uddiyana bandha, consiste em elevar, por sucção, o diafragma e pressionar os órgãos abdominais contra a coluna vertebral. É executado com uma participação intensa dos grandes rectos e do diafragma. Modifica a forma da caixa torácica que se eleva ao máximo e se abre. O vértice do triângulo inverte-se. Os pulmões desenhavam um triângulo com o vértice para cima, Com esta contracção este inverte-se e o vértice fica em baixo.

Devido às diferenças de pressão que se exercem sobre o abdómen neste bandha, o sangue venoso é devidamente drenado através da veia cava inferior. O diafragma cumpre assim a sua função de «coração venoso», auxiliando o músculo cardíaco.

Quando a kundaliní desperta e entra em sushumná, em conjunto com apána que inverteu a sua polaridade, junta-se ao fogo, agni, do manipura chakra onde se localiza samána váyu. Desta forma há uma alteração quantitativa e intensa no nível de energia, que permite à kundaliní continuar a elevar-se e atingir os chakra superiores. Com o que o sádhaka conseguirá estados de consciência alterada: dhyána – hiperlucidez; samádhi – megalucidez.

Se for estático é tamas uddiyana bandha. Se for dinâmico é a variante rajas uddiyana bandha.

 

Múla Bandha

Contracção da Raiz da Base

 

Esta contracção é citada pelo Gheranda-Samhita.

Consiste numa forte contracção dos dois esfíncteres anais. Mas na verdade, pelo menos no início, enquanto o sádhaka é incapaz de fazer dissociação muscular entre os esfíncteres anais e a musculatura pélvica, esta contracção também contrai os músculos dos órgãos genitais. Desta forma permite à mulher um grande domínio sobre os músculos vaginais e nos homens aumenta a potência sexual e ajuda a controlar a ejaculação. Mas a este tema voltaremos mais tarde.

Em termos energéticos este bandha fecha uma das saídas de energia do corpo e transforma apána em prána. Estimula e empurra kundaliní para cima. Acorda o múládhára chakra. Abre também a entrada de sushumná nádí (brahmá dvara) obstruída pela cabeça da adormecida Kundaliní.

Localizado na zona sacra, encontra-se uma parte do parassimpático, desligada do principal, atrofiada, antiga, ligada às funções ancestrais do paleocórtex, às funções animais de sobrevivência e reprodução – o parassimpático pélvico.

Estimula também o corpo de Luschka, pequena glândula localizada na extremidade do cóccix.

É difícil agir de modo consciente sobre este nervo. Mas com o múla bandha podemos fazê-lo.

Do parassimpático saem fibras nervosas vasodilatadoras, que estimulam e controlam o funcionamento do cólon descendente, do ânus, e da bexiga, zona do apána. Outras, vasodilatadoras, vão para o pénis e para o clítoris e a vulva. Também estimulam as glândulas sexuais.

Pelo que a execução deste bandha é importantíssima.

Múla bandha adquire a designação de rajas múla bandha [1] sempre que os esfíncteres anais são contraídos e descontraídos com ritmo e sucessivamente.

À contracção chama-se acuncana, e prakashana à descontracção.

O rajas múla bandha fortalece a musculatura pélvica, impedindo ou eliminando hemorróidas e fissuras anais.

Se múla bandha estiver bem executado o sádhaka deve sentir uma vibração interna desde os genitais até ao umbigo. Mais tarde poderá senti-la quase até ao coração e inclusive até à garganta.

 

Bandha Traya

 

                        Bandha traya significa – três bandha. Se juntarmos os três bandha anteriores, praticando-os conjuntamente e executados um após o outro na ordem indicada – múla bandha, uddiyana bandha e jalándhara bandha, – temos o bandha traya, os três bandha.

                        É durante a execução de bandha traya e kúmbhaka, que apána e prána váyu se equilibram, que a energia deixa de circular por idá e píngala nádí, para subir e circular pela nádí do fogo, pela nádí ígnea, sushumná.

 

Jíhva Bandha

 

                        Para executar este bandha o sádhaka deverá iniciar uma deglutição. A musculatura accionada sobe. No ponto mais alto o sádhaka não a conclui. Aí tem a língua a pressionar o céu da boca e a ulva. E é nisto que consiste este bandha.

                        A glândula pineal é estimulada por massajamento reflexo, isto é, é comprimida pelo aumento da pressão intracraniana.

Também poderá ser utilizado por si e não como complemento do jalándhara bandha. Acontecerá quando o sádhaka estiver impossibilitado temporária ou permanentemente de executar o jalándhara. Neste caso deverá executá-lo com a cabeça tombada para trás e a língua a pressionar o céu da boca e a ulva. Ou ainda quando quiser fazer retenção em algum ásana que não permita comprimir o queixo contra a cavidade que fica imediatamente acima do externo, como seja em bhujangásana ou em padma shirshásana.

 

 

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

 

[1] Algumas escolas chamam-lhe asvini mudrá. E fazem-no porque asvini significa égua, que após expulsar o excremento, contrai e descontrai diversas vezes o anus. Mas mudrá é gesto feito com as mãos. Então um movimento anal não pode ser mudrá. Daí que no Yôga antigo não adoptemos essa nomenclatura, mas sim a proposta, visto que do que se trata é do mula bandha, feito com movimento (rajas).

Os números e a numerologia

Meus queridos

 

Ainda acerca dos números, deixo-vos agora os seguintes conceitos:

 

1 – Segundo o Tantra, o bindu, ponto de energia primordial, o púrusha, gera a matéria primordial, prakrutí, constituída por três qualidades (Triguna): sattwa (essência, silêncio [recordam-se do ensinamento que nos diz que quem fala não sabe; quem sabe não fala?]); rájas (energia, paixão) e tamas (substância, inércia). No início, encontram-se em harmonia. Pela acção desequilibram-se e dão origem a todas as formas e números do Universo.

 

2- Temos o um  ( . )  temos o dois ( — ) , que ao juntarem-se , com a relação que estabelecem, dão origem ao três . Quase poderíamos dizer: o pai, a mãe e o filho. É a base de muitas trindades, mesmo a católica, que quer disfarçar a mãe através da designação de espírito santo. Mas durante séculos o espírito santo foi apelidado de Sofia – sabedoria.

 

3– Por vezes surge a designação da harmonia das esferas. Há, na tradição da numerologia, alguns considerandos sobre isto. Esta tese, que se saiba tem origem em Pitágoras. Segundo a lenda, Pitágoras, um dia, ouviu os ferreiros numa oficina a baterem com vários martelos em metal que trabalhavam em cima de uma bigorna. E concluiu que os sons podem ser expressos em números e em proporções geométricas. E daí saltou para a teoria de que o Universo é composto por números que se relacionam em proporções harmoniosas. Assim, tanto o microcosmos, como o macrocosmos se relacionam segundo uma proporcionalidade ideal. E chegou a atribuir uma nota a cada planeta, que se determinaria pela velocidade de rotação deste. A distância entre planetas estaria relacionada com intervalos musicais. Kepler veio, mais tarde, a tornar o sistema ainda mais complexo. Mas hoje não vos falarei de Kepler.

 

4- Haveriam 9 esferas, no céu estrelado. E entre a terra e essa zona haveria um intervalo de uma oitava completa. A escola pitagórica ensinava que as sete fases da oitava compunham o universo [para os que fizeram o curso de meditação comigo, recordar-se-ão do quaternário inferior e do ternário superior e da evolução do quadrado ao círculo através das oito partes?], pois o sete, ensinava, combina a trindade com os quatro elementos (terra, água, fogo e ar). Para Pitágoras é nos intervalos consonânticos das oitavas, quintas e quartas que se encontra a origem do Universo. Dizia Pitágoras que se avançássemos do 1 ao 4, surgir-nos-ia a mãe primordial de todas as coisas – o 10. Como ontem já vos tinha referido, 1 + 2 + 3 + 4 = 10. Toda a criação está contida nesta fórmula. Temos o Um, o Dois, a relação entre eles, o Três e os quatro elementos esotéricos, com que a prakruti vai trabalhar para dar origem ao universo. Temos o quaternário, temos a ternário superior. Temos o oito – o método. Temos os nove, a iniciação. Temos as proporções e até uma muito interessante. No sete, a distância que vai do Um ao quatro é a mesma que vai do quatro ao sete.

 

Por hoje chega de números.

 

SwáSthya

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

Discípulo do Mestre DeRose

«Sou irmão de dragões e companheiro de corujas.»

A simbologia da origem lendária do Yôga

Quando se procura a origem do Yôga, verifica-se que se perde na noite dos tempos. Os documentos históricos e arqueológicos são escassos e referem-se à Nossa Cultura como algo de muito ancestral. Mas a mitologia dá o seu contributo. E é possível encontrar nas lendas muitas informações sobre a cosmogénese e a antropogénese na perspectiva hindu.

Uma das mais antigas lendas relata que a filosofia que preconizamos surgiu na Terra quando um peixe, matsya, que nesta lenda simboliza a forma de vida primordial no planeta, assistiu ao ensinamento que Shiva ministrava à sua Shaktí. Este ensinava-lhe a nossa tradição ancestral. E Matsya foi imitando os exercícios que Shaktí ia praticando. E à medida que o ia fazendo foi evoluindo. Primeiro saindo da água, depois adaptando-se à vida terrestre. Depois transformou-se em Homem (evolução do peixe ao mamífero humano). Este, o homem, por sua vez, através da prática do Yôga evolui até ao nível do iluminado.

Repare-se no paralelo que se pode estabelecer com a origem da vida na água, a evolução que ocorre da água para terra, e com a própria teoria da evolução.

Por outro lado, também revela que Shiva enquanto princípio da manifestação é um princípio abstracto, ensina, mas não age. É Shaktí, a natureza primordial indiferenciada, a Mãe universal, ou potência da manifestação, que actua, executando as práticas do método que transmitimos. Shiva representa a causa eficiente – nimitta karana – e Shaktí representa a causa material – upadana karana – e da sua união nascem todas as outras formas do ser. A evolução de Matsya é um símbolo da práxis transformadora de Shakti.

Devo acrescentar que, nos shástra, quando se relata Shiva a ensinar a Shakti, estes textos são os ágama. Quando é Shaktí a ensinar a Shiva, recebem o nome de nigama.

 

 (C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

A simbologia da história de Ganêsha

Ganêsha é filho de Shiva e Parvati. O nome deriva da combinação das palavras sânscritas gana (demónio, exército) e isha (Senhor) = Ganêsha – Senhor dos exércitos de demónios de Shiva. O mito de Ganêsha, escrito nos purána[1], conta que Shiva, após uma longa ausência nas montanhas, regressou e encontrou um guardião de sua esposa Parvati, com ordem para não deixar passar ninguém sem autorização de Parvati. Todos os outros guardiães desobedeciam quando quem se tratava do Mahêshwara Shiva querendo entrar em sua própria casa. Parvati decidiu, então, arranjar um guardião que só lhe obedecesse e a mais ninguém. Tal como fazem os deuses, a partir do barro, matéria, amassada com o orvalho do seu corpo, insuflou-lhe vida e criou um filho. Este era o seu guardião pessoal, o seu dwarapala – o porteiro. Quando Shiva regressou da montanha, o porteiro opôs-se à entrada deste. O menino impediu a passagem do seu senhor e pai. Nada do que Shiva lhe disse o demoveu. Chegou a agredir Shiva. Parvati tomava banho e o menino tinha ordens para não deixar entrar ninguém. Seguiu-se uma luta feroz, épica, lendária, entre o exército de bhutaganas de Shiva e Ganêsha, que lutou contra todos os demónios do pai, vencendo-os. Vishnu, outro deus da trindade hindu interveio contra Ganêsha, mas também a derrota foi o que obteve. Até que então Shiva o matou com a trishula, separando-lhe a cabeça do corpo. Parvati, ao ver seu filho morto, ameaçou destruir todo o mundo. Shiva deu, então, ordem aos seus gana que procurassem na floresta e lhe trouxessem a cabeça do primeiro animal vivo que encontrassem no caminho. Foi um elefante que encontraram. Shiva colocou a cabeça desse elefante no corpo do menino e ressuscitou-o. Reconheceu-o como seu filho e deu-lhe o nome de Ganêsha.

É conhecido como Gâjanana – cara de elefante, mas também como Gânapati – o senhor dos gana.

É o deus dos letrados e da inteligência. É representado com um só dente, pois foi ele que escreveu o Mahábharata. Vyassa, o autor da obra, contou a história e Ganêsha, para que não se perdesse, partiu uma das suas presas e com ela foi escrevendo. É o deus da inteligência porque participa das duas criaturas mais inteligentes, o homem e o elefante.

Várias vezes deu provas da sua inteligência.

Quando Shiva e Parvati tiveram de decidir qual dos filhos casaria primeiro, Ganêsha ou o seu irmão Skanda, comunicaram-lhes que aquele que desse primeiro a volta ao mundo seria o primeiro a casar. Subrahmanya, outro dos nomes de Skanda, imediatamente partiu veloz como o vento. Ganêsha, pesado, corpulento, com uma grande barriga e incapaz de vencer o irmão em proezas atléticas, primeiro saudou, respeitosamente, os pais e só então é que se dispôs a cumprir a sua obrigação. E iniciou uma caminhada em torno de Shiva e Shaktí, no sentido dos ponteiros do relógio (prakshina), dando sete voltas em torno dos destes. Ao terminar, os pais perguntaram-lhe: – porque fazes isso? E Ganêsha respondeu-lhes: – Não sois vós o Universo? E não dizem os Vêda que aquele que faz sete prakshina em torno dos pais tem mais valor do que os que dão sete voltas ao mundo? E ganhou a competição com o irmão, casando primeiro.

É o senhor dos obstáculos, podendo ajudar-nos a ultrapassá-los ou a dificultar-nos todas as tarefas. Como senhor da porta, é também o guardião dos mistérios. É o senhor do labirinto – o labirinto de nadí existente no nosso corpo e que a energia serpentina terá de atravessar.

Shiva corta a arrogância ignorante do filho, que apenas quer cumprir o swádharma. Pelo qual deixa de reconhecer a substância primordial – Shiva. O pai admira a sua coragem, tenta tudo para o iluminar, mas não pode deixar a ignorância vencer. E então Ganêsha morre para a vida profana. Renascendo para a sabedoria e a iluminação.

 

(C)Copyright,  João Camacho, Yôgachárya

[1] “Os Puránas (as Antigas Crónicas) são textos longos, semelhantes à Bíblia, nos quais foram transcritas e resumidas traduções orais que remontam a um período longínquo como, por exemplo, a história do dilúvio, a domesticação do fogo, as migrações dos povos.

Esses textos contêm elementos históricos e geográficos, genealogias que vão, às vezes, até ao sexto milénio a. C., relatos mitológicos, ensinamentos rituais ou técnicos (medicina, arquitectura, pintura, música, dança, etc.) ensinamentos filosóficos, códigos sociais e morais. Formam verdadeiras enciclopédias.» in Danielou, Shiva e Dionoso, p. 33.

A CAIXA DE PANDORA

Epístolas aos meus discípulos:

A CAIXA DE PANDORA

Gnose, a finitude da vida e a supra consciência

 

Meus queridos

 

Os textos que produzo têm-vos como destinatários. Tal como acontece com este, onde, essencialmente, pretendo, deixar algumas notas acerca do simbolismo da caixa.

 

E já que vou falar da caixa e do seu simbolismo, permitam-me deixar-vos algumas classificações conceptuais. São apenas alguns apontamentos que reuni e que partilharei com todos vós.

Antes de mais a distinção de Eliade, sábio, companheiro mais adiantado, como este mestre gostava de a si próprio de designar. Segundo ele há duas grandes categorias de símbolos:

 

1 – Uranianos: seres celestes, deuses da tempestade, cultos solares, mística lunar, epifanias aquáticas, etc.

2 – Ctonianos: pedras, terra, mulheres, fecundidade, reprodução, cavernas, infernos, etc.

 

A estas duas categorias ainda se juntam os símbolos do espaço e do tempo e a dinâmica do eterno retorno, esta muito querida à mitologia grega, mas também à metafísica hindu.

 

Há muitas outras classificações de categorias de símbolos mas, pessoalmente, sem ignorar as outras (a de Krappe, La Genèse dês mythes, – símbolos celestes e terrestres; a de Bachelard, – distribui os símbolos em função dos quatros elementos da divisão esotérica, terra, água, fogo e ar; a de Dumézil, – distribui os símbolos em função de três categorias; a de Piganiol – entre os símbolos dos pastores e nómadas e os símbolos dos lavradores e sedentários; a de Pryzulski, – baseia a divisão na ideia da evolução do pensamento religioso, primeiro, o culto da Grande Deusa, depois, os símbolos do Pai e do Filho; a da Psicanálise de Freud, – o eixo do prazer e os níveis oral, anal e sexual dos símbolos, em função de uma libido recalcada; a de Adler que substitui este princípio, o do prazer, pelo do poder, – a compensação do complexo de inferioridade gera a profusão de símbolos; a de Jung, a quem devemos a introdução na ciência do conceito de inconsciente colectivo, – os símbolos ocorrem e classificam-se em função dos processos de introversão e extroversão, em função dos processos de individuação, tendo a ver com a fase evolutiva de cada um, e outras fenómenos. Jung não sistematizou, apesar da sua grande obra sobre a simbologia, de leitura indispensável. E muitos outros que nem sequer exponho, apesar da sua grandeza, entre estes Gilbert Durand.

 

Então passemos a algumas distinções conceptuais, absolutamente necessárias.

 

Assim, distingamos símbolo destas outras categorias:

 

Emblema – é uma figura visível que representa uma ideia, um ser físico ou moral. Uma bandeira é um exemplo de emblema.

 

Atributo – é uma imagem que serve de signo a uma personagem, a um colectivo ou a um ser moral. Asas, são um atributo do ar, de uma empresa de aviação; um porco, atributo de um talho; a balança atributo da justiça, etc…

 

Alegoria – é uma figuração duma proeza, de um grande feito que é ou virá a ser lendário. Pode também ser duma situação, de uma virtude superior, ou dum ser abstracto. Essa figuração pode surgir sob forma vegetal, animal, humana. A mulher alada é a alegoria da vitória; a mulher jovem, de seios desnudados e generosos, é a alegoria do regime republicano; a mulher vendada, com uma balança nas mãos é a alegoria da justiça. A alegoria não implica naquele que a conhece a passagem a um outro nível ontológico. O que contacta com a alegoria poderá fazê-lo com a segurança de permanecer no mesmo nível de consciência em que se encontrava, pois apenas implica uma operação de lógica-dedutiva, própria do pensamento discursivo.

 

Metáfora – é o desenvolvimento duma comparação entre dois seres, ou duas situações, através de uma infinidade verbal, que essa sim pode, tem a potencialidade de, nos arrastar para outro nível de consciência, sem o qual, por vezes, a metáfora perde parte do seu sentido, ou até se torna incompreensível para o destinatário.

 

Analogia – também aqui a comparação entre seres ou noções, mas agora diferentes, mas nalguns pontos semelhantes.

 

Sintoma – modificação nas aparências ou no funcionamento habitual que pode revelar, ao observador, uma certa perturbação, ou conflito; já a síndroma resulta de um conjunto de sintomas que caracterizam uma situação de conflito em evolução através do qual é possível pressagiar o futuro.

 

Parábola – pretende, para além do seu sentido, constituir uma lição moral.

 

Todas estas formas são figurações do símbolo que têm em comum o facto de serem signos, meios de comunicação, que não ultrapassam, na maioria das vezes, o plano do conhecimento imaginativo ou intelectual. São símbolos arrefecidos, como lhes chama Hegel.

 

Já o símbolo pretende ser verdadeiramente inovador. O símbolo deve ser organizador da consciência, das sensações e de toda a vida psíquica. Pretende operar uma viragem no ser que o usa. Não pretende apenas a ressonância, mas sim a transformação em profundidade daquele que o conhece. Cumpre uma função mediadora, lançando pontes entre elementos separados. Religando os céus e as terras; a matéria e o espírito; o real e o sonho; o inconsciente e o consciente. Um verdadeiro símbolo consegue condensar a experiência total do ser humano, enquanto ser religioso, cósmico, social, psíquico (nos 3 níveis: inconsciente, consciente e supraconsciente). Resultando, o símbolo como unificador.

 

Mas toda esta conversa para chegar ao simbolismo da caixa. Onde se inclui também a de Pandora.

 

Certamente que já repararam que do oriente em geral e, no que nos interessa, da Índia em especial, nos chegam caixas e caixinhas, de todos os tamanhos e feitios.

 

Desde logo é necessário referir que a caixa é um símbolo feminino, frágil. Mas pode conter também o que é temível, tenebroso.

 

A caixa protege. Mas pode sufocar.

 

A caixa deverá ser aberta? Há sempre a tentação de abrir uma caixa. Assim como os homens muitas vezes se tentam a desvendar, a descobrir, uma mulher. Mas o vaso, ou a caixa de Pandora, ficou para a lenda como o aviso de que, às vezes, é preferível não a abrir. A caixa de Pandora continha, guardava, sufocava, protegia, fechava, doenças, males e maldições dolorosas e que trazem a dor, a doença e a morte aos seres humanos. Mas a mulher quis conhecer aquele poder profundo e oculto, pois não é ela, por excelência, profundidade e ocultação? E, não resistindo, Pandora levantou a tampa da caixa, libertando no mundo os males, as pestilências, as maldições, as doenças, de que ainda hoje padecemos. Pandora, aterrorizada, incapaz de pensar claramente com medo do que tinha libertado no mundo, fechou rapidamente a tampa, não percebendo que, dentro da caixa indestrutível, havia deixado a única possibilidade de salvação do ser humano – a Esperança. E ainda hoje lá está.

 

Neste mito, emocionante, a esperança, catapulta-nos para o conhecimento, para a evolução pessoal, para a ascese. Pois a Esperança, encerrada dentro da caixa de Pandora, é o inconsciente. E só os que aprofundam na busca interna conseguem trazê-la à luz do dia. Mas é necessária a disciplina sistemática o Yôga nos proporciona. Pois as forças inconscientes são, por natureza, imprevisíveis, excessivas, irracionais, e podem ser construtivas ou destrutivas.

 

Este mito, resultante do símbolo da caixa, pretende alertar-nos para o facto de que as caixas, ricamente ornamentadas, ou simples e singelas, têm um valor simbólico pelo seu conteúdo. Pelo que abrir uma caixa implica sempre correr um risco. Temam as caixas e decidam sempre se querem correr o risco de as abrir. Nunca se sabe o que lá vamos encontrar. E não é assim, também, quando nos procuramos?

 

O Atharva-Vêdá, assim como alguns Upanishad, referem a caixa de ouro, como símbolo do misterioso vazio interior que encerra e protege um tesouro de valor incalculável: o Sí mesmo. Esta caixa de ouro contém três cavidades, destinadas ao inconsciente, consciente e supraconsciente.

 

Ainda acerca das misérias que a caixa pode encerrar, não resta ao homem se não viver, agora, o presente, com aquilo que de melhor lhe for possível. É o que Homero, que o J. se afadiga a ler, ensina: ao homem resta viver totalmente, mas com nobreza, no presente. E essa é a sabedoria humana, a Esperança, encerrada na caixa. É a sabedoria que advém da consciência da finitude e precariedade da vida humana. Pelo que se deve aproveitar o que nos seja oferecido pelo presente; a juventude, a saúde, a alegria, ou a oportunidade de exercer virtudes. Mas devemos fazê-lo a cada momento.

 

É da consciência dessa finitude da vida humana que nascem as técnicas do Yôga e da necessidade de, no tempo de uma vida realizar a perfeição, alcançar o estado de jiva mukta. Dessa consciência de finitude, nasce a necessidade de transcender a condição humana, a alegria de viver (e aqui entenda-se como a satisfação pelo existir, pelo participar na majestade da vida e do mundo), o valor sagrado da sexualidade, da experiência erótica – intensa acima de quase todas as outras, da beleza do corpo humano e da sua nudez, mas também o júbilo da função religiosa colectiva – danças, rodas, cortejos, jogos, refeições comunitárias, etc… É da consciência dessa finitude que também nasce o sentido transcendente da percepção da perfeição do corpo humano – a beleza física, a harmonia dos movimentos de corpo, a serenidade, a sensualidade, que este pode transmitir, que inspirou sempre os artistas. E não deveríamos praticar Yôga nus? Não deveríamos cultivar uma estética própria do Yôga?

 

Mas, para uma “caixa”, já me alonguei em excesso. Desculpem-me esta verborreia, por vezes, interminável. Mas há coisas que, se não as digo, morro.

 

SwáSthya

 

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

Discípulo de Shrí DeRose

 

«Sou irmão de dragões e companheiro de corujas.»

1000 pétalas

1000 pétalas

Através de um livro de 1952, O reverendo Leadbeater, adepto da teosofia, induz em erro os seus leitores, com uma informação menos exacta acerca do sahásrara. Publicamos um texto do Mestre Goswami, onde se corrige tal erro.

               Devido às deficiências que existem na compreensão dos princípios do Yôga, tem havido muitas ilusões e incompreensões sobre os chakra e sobretudo sobre a kundaliní. Eis como exemplo a interpretação dos teósofos sobre o assunto. Para começar, os teosofistas adquiriram os seus conhecimentos sobre Kundaliní e os chakra, nos trabalhos sânscritos que tratam do assunto. Mas, em seguida, as narrações originais foram distorcidas, quer propositadamente, quer devido a uma falta de compreensão, que necessita, em primeiro lugar, de conhecimento técnico e em segundo lugar das instruções directas de um Mestre. Vamos dar um exemplo: C. W. Leadbeater (Leadbeater, C. W., Os chakras, The Theosophical Publishing House, Adyar, Madras 20, Índia, 1952, na p. 20) diz que o chakra coronário, (o sahásrara), descrito nos livros indianos como tendo mil pétalas, o que não está nada longe da realidade, tem somente, 960 irradiações (i. e., pétalas) da sua força primária no círculo exterior. Significa que o sahásrara teria somente 960 pétalas em vez de 1 000. Isto indica uma completa falta de compreensão da organização do sahásrara. O sahásrara é a expansão do bíndu pránico que está num estado supremamente concentrado quando o prána se torna patente e causa uma emissão de 50 unidades-força, e cada uma destas unidades é    multiplicada    20 vezes para manifestar a sua plena criatividade. Isto significa  50 x 20 = 1 000, e assim, o sahásrara tem exactamente 1 000 pétalas, nem mais, nem menos.

Podemos não ter nada contra uma experiência pessoal ou de grupo de pesquisa, mas quando tais experiências recentemente adquiridas são apresentadas para desafiar as antiquíssimas experiências yôgis, que têm sido verificadas pelos yôgis desde tempos imemoriais, torna-se como uma ‘rã num poço a desafiar uma rã do oceano’.”

Shyam Sundar Goswami, Laya Yôga, p. xvii

O guru tântrico

O guru tântrico

                        Desde sempre o guru tem sido o pilar do tantra (…) sua relação com o discípulo alcança uma intensidade e uma intimidade que só podem compreender os que a viveram.

(…)

A afirmação «quando o discípulo está preparado, o guru aparece» é literalmente certa. Porém o adágio oposto também é verdadeiro: «quando o mestre está pronto o discípulo aparece». O seu encontro, imprevisível, é um acontecimento que marca as suas vidas de forma tão indelével como uma tatuagem. Assinalamos que, no tantra, guru e chêla são com frequência do sexo oposto e que «o» guru pode ser também «uma» guru.

                        Nem o discípulo nem o guru saem à procura um do outro: esperam que isso se produza. Este não programável «isso» escapa à sorte que rege a maioria dos encontros humanos. Em muitos sentidos, parece-se com a flechada amorosa, porque se reconhecem de entrada. Em quê? Pergunta sem resposta: é assim, e isso basta. Eles sabem-no. O seu encontro, misterioso, parece-se mais com um achado do que com um descobrimento. Cria de entrada entre eles um laço inelutável, definitivo e carregado de emoção: «depois» nada é como «antes».

                        O guru tântrico é ao mesmo tempo um instrutor, um mestre, um depositário da tradição e um guia que dissipa as dúvidas, que transmite um ensinamento e técnicas, que dirige a prática.

(…)

A reciprocidade de sua relação produz uma catálise psíquica. O que nem um nem outro poderia realizar isolado, separado, produz-se na presença recíproca. Em nenhum caso se trata de uma relação de subordinação, nem sequer a que existe entre um mestre que sabe, ensina, domina, e um aluno aplicado, submisso. O guru não explora, jamais os seus discípulos; a exploração é uma característica dos pseudogurus. Esta relação tampouco vai em um sentido único, dando um, recebendo o outro. O guru recebe pelo menos tanto quanto dá (…)

Esta relação depende de uma condição essencial: praticar juntos, e sua relação guru-chêla se lhes revela frequentemente por esse facto de que desde as primeiras práticas se desencadeiam reacções espectaculares (…) Ademais, a sua relação é definitiva: não existe um «divórcio». (…) Na sua meditação quotidiana, se unem no plano subtil, mas, incluído sem meditação e sem tomar consciência disso, os seus psiquismos permanecem em contacto constante (…).

                        Este encontro é excepcional, mas existe. Às vezes guru e chêla vivem na proximidade durante muitos anos, a evolução de um ecoando sobre a do outro, graças à misteriosa catálise a que me referi antes.

Van Lysebeth, Tantra. el culto de lo Femenino, pp. 313-314

As linhas e escolas de Tantra

As linhas e escolas de Tantra

(Alexandre Ramos)

 

No Tantra existem três linhas de comportamento, que são: Tantra branco ou linha branca (dakshinachara); Tantra negro ou linha negra (vamachara); e Tantra cinzento ou linha cinza. Estas três linhas caracterizam-se, entre outras coisas, pela utilização ou não de: bebidas alcoólicas; fumo; drogas; alimentação com carnes e relação sexual com orgasmo (Santos, 2000).

De acordo com o Kulárnava Tantra (citado por Feuerstein, 1977, 1998), existem sete tipos (escolas) diferentes de Tantra:

  1. Dakshinacharatántrika, a maneira da mão direita ou Tantra branco;
  2. Vamacharatántrika, a maneira da mão esquerda ou Tantra negro;
  3. Vêdacharatántrika, a maneira Vêdica (de Veda);
  4. Vaishnavacharatántrika, a maneira do devoto de Vishnu (representa o Segundo Aspecto da Trimurti [Trindade Divina] hindu, cujo atributo é a conservação);
  5. Shaivacharatántrika, a maneira do devoto de Shiva (nome do criador do Yôga. Representa também o Terceiro Aspecto da Trimurti hindu, cujo atributo é a renovação);
  6. Siddhántacharatántrika, a maneira do seguidor da tradição Siddhánta (Siddhánta significa doutrina. É considerada a forma mais elevada do Tantra negro).
  7. Kaulacharatántrika, a maneira do seguidor da Escola Kaula (escola de Tantra fundada por Matsyêndra Natha no séc. XI d. C.).

No entanto, DeRose (1998) refere que a principal divisão do Tantra é a que o divide em linha branca e linha negra (ou, melhor ainda, em mão direita e mão esquerda). Estas últimas cinco escolas pertencem ao chamado Tantra cinzento, com tendência mais para a esquerda (vamachara) ou para a direita (dakshinachara). Temos, portanto, três linhas de Tantra que são constituídas por sete escolas. O Tantra mais antigo, o Tantra dravídico, é o dakshinacharatántrika, a maneira da mão direita ou Tantra branco. As formas sistematizadas a partir da ocupação ariana dão origem a um Tantra de protesto que visa contestar essa nova cultura imposta. Daí surgirá o Tantra negro e, mais tarde, o cinzento. Contudo, serão escritos apenas a partir do século VIII d. C. (na Idade Média), ou seja, cera de 4 000 anos depois da origem, englobando rituais e misticismo, coisas que o Tantra branco, arcaico, não tinha.

Desta forma, podemos encontrar na índia diversas comunidades tântricas, cada uma com a sua linha de instrutores, de gurus particulares, com técnicas de iniciação (díkshá) especiais. Tradicionalmente contam-se cinco grupos principais: os shaktas (seguidores de Shaktí), os shaivas (seguidores de Shiva), os vaishnavas (seguirdes de Vishnu), os ganapatyas (seguidores de Ganêsha ou Ganapati) e os sauras (seguidores da divindade solar Súrya) (Riviére, 1962b).

Todo o sádhana (prática) tântrico aspira ao despertar da Kundaliní (Shivánanda, 1992). De acordo com os Tantras, ainda existem três grandes escolas (Rama, 1990) ou grupos de praticantes (Ajaya, 1990): Kaula, Mishra e Samaya. Os do grupo Kaula (deriva de ku – terra), tântricos da mão esquerda, fazem rituais externos, incluindo práticas sexuais, e meditam na kundaliní na base da espinha (múládhára chakra). Os leigos, muitas vezes, empregam mal esse caminho. Os do grupo Mishra (combinado ou misto), através do culto interior combinado com práticas externas, acordam esta força latente e guiam-na até ao anáhata chakra (o centro do coração), onde é adorada. Estes dois primeiros grupos realizam certos rituais e acreditam na obtenção de poderes (siddhis). O grupo Samaya é o mais importante. O termo samaya significa Ele está comigo e refere-se à união final entre Shiva e Shaktí, as polaridades que estão por detrás da manifestação deste mundo. Aprendem práticas avançadas para conduzir a kundaliní directamente até ao lótus das mil pétalas, o sahásrara chakra no cimo do crânio, cujo resultado é a união final Shiva-Shaktí e o mais elevado estado de realização. (Ajaya, 1990; Rama, 1990, 1995). A Samayachara é uma escola de tântricos de mão direita (Khanna, 1981; Rama, 1995). Este é o caminho mais puro e mais alto do Tantra. Puramente yôgi, nada tem que ver com qualquer ritual ou forma de culto que envolva o sexo. A chave é a meditação, mas uma espécie incomum de meditação. Nessa escola, faz-se a meditação no lótus de mil pétalas, o mais elevado de todos, e o seu metido de adoração chama-se antaryaga. Nela se revela o conhecimento do Shrí Yantra, chamado a mãe de todos os símbolos, porque todos derivam dele. Este símbolo é considerado um mapa dos planos da manifestação (lôkas). Também é chamado Shrí Chakra pois representa igualmente os chakra (Ajaya, 1990; Rama, 1995). Os constituintes principais a partir dos quais o universo é manifestado são instrumentados directamente pelo uso de mantra (vocalização de sons) e visualizações (Rama, Ballentine, & Ajaya, 1976). O estudo dos chakra, nádi (correntes nervosas subtis) e prána (forças vitais) e um estudo filosófico da vida são necessários a quem quiser ser aceito como discípulo nessa escola (Rama, 1995). As duas classes principais de seguirdes do Tantra são os samayins que acreditam na identidade de Shiva e Shaktí e esforçam-se por acordar a Kundaliní mediante exercícios espirituais, e os kaulas, que veneram Kauliní (kundaliní) e entregam-se a rituais concretos. Esta distinção é sem dúvida exacta, mas não é facial saber até que ponto um ritual deve ser cumprido literalmente. Não é demais insistir sobre a ambiguidade do vocabulário erótico na literatura tântrica (Eliade, 1954).

 

Bibliografia

 

– Ajaya, S. (1990). Kundalini and the tantric tradition. In J. White (Ed.), Kundalini, Evolution and enlightenment (pp. 98-105). St. Paul: Paragon House.

– DeRose (1998). Hiper orgasmo, Uma via tântrica. São Paulo: Martin Claret & Uni-Yôga.

– Eliade, M. (1954). Le Yôga, Immortalité et liberté. Paris: Editions Payot.

– Feuerstein, G. (1977). Manual de Ioga. São Paulo: Cultrix.

– Feuerstein, G. (1998). Tantra, The path of ecstasy. Boston & London: Shambhala.

– Khanna, M. (1981). Yantra, The tantric symbol of cosmic unity. London: Thames and Hudson.

– Rama, S. (1990). The awakening of Kundalini. In J. White (Ed.), Kundalini,Evolution and enlightenment (pp. 27-47). St. Paul: Paragon House.

– Rama, S. (1995). Vivendo com os mestres do Himalaia, Experiências espirituais do Swami Rama (4th ed.). São Paulo: Pensamento.

– Rama, S., Ballentine, R., & Ajaya, S. (1976). Yôga and psychotherapy, The evolution of consciousness. Honesdale: The Himalayan International Institute of Yôga Science and Philosophy.

– Riviére, J. (1962b). El Yôga Tantrico, Teoria y tecnicas de meditacion, Buenos Aires: Kier.

– Santos, S. (2000). Yôga, Sámkhya e Tantra, Uma iniciação histórica e filosófica ao Yôga, ao Sámkhya e ao Tantra, desde as suas origens (3rd ed.), São Paulo: Martin Claret & Uni-Yôga.

– Shivánanda, S. (1992). Senda divina (2ª Parte. De Om a Yôgasanas). Madrid: EDAF.