Nyása

                           Nyása significa a identificação entre o sujeito cognoscente eo objecto cognoscível, o que implica a supressão do acto de conhecer. De modo geral significa a identificação do sádhaka com seres ou objectos, à sua escolha. Nyása é uma técnica da tradição tântrica.

                          Insistindo, os epistemologistas identificam três momentos quando abordam a teoria do conhecimento: há um sujeito cognoscente – o que quer conhecer; há um objecto cognoscível – aquele que vai ser conhecido ou que é passível de o ser; a uni-los ocorrerá o acto de conhecer, de apreensão do objecto. O que o nyása procura é a abolição destes três actos e a sua redução a um só. O sujeito cognoscente e o objecto cognoscível passarão a ser um só.

                         Ora e ainda por referência ao pújá, esta técnica é muito mais intensa e eficaz quando há empatia daquele que faz o  pújá com o instrutor ou mestre a quem o dirige. Tal identificação, nyása, facilita o caminho para o samádhi.

                        Com a prática de nyása o sádhaka consegue conectar-se com o objecto para o qual direccionou a consciência, chegando à sua essência. Observador e observado, fundem-se como se fossem um só. Pátañjali refere este aspecto, aproximando o  nyása dos estados meditativos:

I-41

«Naquele que tiver controlado totalmente a instabilidade, ocorre uma identificação entre o

observador, o objecto observado e o acto da observação, assim como o cristal se identifica com a cor

do objecto próximo.»

                         Porém, para que a técnica de nyása seja conseguida, há que passar pela emoção, pelo afecto. É o corpo emocional (kamamáyákôsha) que mais participa nesta técnica. Terá de haver, no mínimo, uma relação de simpatia entre o observador e o objecto observado. É necessário, também, que a concentração do observador sobre o objecto observado seja frequente.

                       Este fenómeno ocorre tantas vezes, mesmo sem nos apercebermos. Ocorre entre familiares que vivem junto durante décadas, entre amigos que muito se admiram e se sentem envolvidos, entre membros de uma equipa. Por isso, também, devemos seleccionar os nossos amigos e aqueles com quem convivemos. Pois podemos, sempre, receber influências que não desejamos. Por isso é importante seleccionarmos as egrégoras às quais nos conectamos.

                          Nyása, como leram anteriormente, pode ser efectuado com pessoas vivas, mortas, com objectos inanimados, com figuras mitológicas, com arquétipos, com egrégoras, etc…

                           O nyása pode e deve ser efectuado com o mestre. A convivência com este, o envolvimento emocional, o afecto desenvolvido pelo mestre proporcionam um nyása intenso, que gerará compreensão e lucidez ao discípulo, catapultando-o mais rápido para o samádhi. O mestre, como ser humano que é, tem defeitos e qualidades na sua personalidade. Mas na média de tais aspectos tem a possibilidade de inspirar o discípulo a ir mais longe. E ao fazer nyása no mestre e nas suas qualidades o discípulo tem a possibilidade de gradualmente incorporar essas características. Tal prática permitirá também ao sádhaka persistir com disciplina e diligência (abhyása), ao longo dos anos, na fidelidade a um só método e na lealdade ao respectivo mestre.

                        Tanto o nyása como o dhyána necessitam de prátyáhara e de dháraná: abstracção dos sentidos físicos e concentração da mente no objecto que se pretende conhecer.

                    Ouçamos o que diz sobre pratyáhára, mais uma vez, o grande mestre que foi Pátañjali:

II-54

«Quando os sentidos já não estão em contacto com os seus objectos e assumem a própria natureza de

chitta, isso é prátyáhára.»

II-55

«Com isso obtém-se o total controlo dos sentidos.»

                     Sobre dháraná, Patañjali, o sábio das mil ciências, ensina:

III-1

«Dháraná (concentração) consiste em centrar a consciência (chitta) em uma área delimitada.»

[a propósito, Eliade, traduz ‘área delimitada’, por ‘num só ponto’ – êkagrata].

                      Sobre o dhyána, aprende-se, com o mesmo mestre:

III-2

«Dhyána (meditação) consiste em manter a continuidade da atenção sobre aquela área específica da

consciência.»

                         Num outro artigo, que publicarei, versando esta mesma temática, citarei alguns autores que consideram nyása como uma técnica de meditação de nível superior (vide, por todos, Eliade). Se se atentar que nyása consiste na identificação do sujeito cognoscente com o objecto cognoscível, lendo-se o modo como Pátañjali define o samádhi, somos levados a concordar:

III-3

«Samádhi (hiperconsciência) é quando chitta assume a natureza do objecto sobre o qual se medita,

esvaziando-se da sua própria natureza.»

                     Todavia, o samádhi remete-nos para uma vivência intuicional. Já o nyása, ocorre ao nível do psiquismo, logo, do ego. Ocorre ao nível do kama manas, ao nível emocional e mental.

                      O nyása pode e deve ser feito com o respectivo mestre, usando como técnica o seu rosto, ou o seu nome, e sendo o respectivo mestre, haverá, porventura, empatia. Pois foi o discípulo que o escolheu e não o contrário. Mas, dizíamos, o nyása com o mestre, como ensina Shrí DeRose,

“funcionará como fio de conexão com as origens da linhagem representada por ele. Os mesmos resultados que consegui com o meu Mestre, hoje os meus discípulos alcançam através de mim, e assim sucessivamente.»

                       Através do nyása com o respectivo mestre, pode o sádhaka absorver sentimentos, atitudes e hábitos daquele que observa e que quer cultivar. O nyása com o respectivo mestre, que é alguém mais evoluído que o discípulo, tem a potencialidade de se transformar em dhyána e acelerar a evolução do praticante até ao samádhi. Aquele que faz nyása com o respectivo mestre, seguramente, conseguirá mais compreensão e entendimento, do caminho que lhe é proposto e acerca do próprio mestre e dos seus ensinamentos, compreensão que lhe brotará do coração, ajudando-o no seu caminho até ao samádhi.

                    Quanto ao samádhi, consiste numa experiência que é difícil de expor, de explanar. Shrí DeRose, por vezes, referia-se ao samádhi do seguinte modo: «O samádhi é um clube privado, e só os que lá chegam, sabem quem lá está.» Os que o vivenciaram, conhecem a experiência e não é necessário explicá-la. aos outros é quase impossível expô-lo. Também por esta razão, “os que sabem não falam, os que falam não sabem.

                   O samádhi divide-se sabíja e em nirbíja com semente e sem semente. No sabíja samádhi o sádhaka conservará a sua personalidade, logo manifestará as suas virtudes e os seus defeitos. Apenas a sua perspectiva em relação ao real, em relação ao mundo fenoménico, muda. Vê-se e aos outros, duma perspectiva muito mais ampla, consciente, muitas vezes, a um tempo, das causas e dos efeitos, de um modo que as pessoas comuns, que as pessoas que ainda não o vivenciaram não conseguem ter noção ou imaginar 1. Já no nirbíja as mudanças que ocorrem são de tal monta, que nem é possível referir.

                      Os que chegam ao samádhi, são pessoas especiais, que têm força, vontade, aptidão, que juntam a estas qualidades a coragem de voarem. Para esses, que têm essa coragem, a nossa proposta filosófica é, seguramente, o melhor caminho.

                     Mas deter-me-ei. Deixo-vos apenas algumas sugestões e exemplos de práticas de nyása:

                              – Se quereis desenvolver equilíbrio, por exemplo em vayútkásana e outros similares, deveis fazer nyása sobre os animais ungulados, v. g., as cabras da montanha. Animais que caminham sobre dois dedos mas com um equilíbrio incomparável.

                             – Se quereis desenvolver não só equilíbrio, mas também estabilidade, podeis fazer nyásacom uma pedra, grande, estável e imponente, que preencha o nosso coração de emoção. É a forma de adquirir tal firmeza, tal imobilidade.

                              – Se precisais de voar, de vos catapultar para os píncaros, para o cimo dos céus, numa coreografia que implica descidas aos infernos em voo picado, seguida da ascensão aos céus pelo esforço e mérito próprio daquele que conhece o caminho de regresso, do que se libertou, como só um iniciado é capaz, na qual deveis ter total liberdade de movimentos, onde a coreografia vos exige que sejais a um tempo fortes, rápidos, ferozes, leves e esvoaçantes, como uma corografia que um dia concebi para a nossa querida senescal, então o nyása com a águia, a senhora dos céus e com o seu voo, será indicado.

                            – Mas se quereis desenvolver tais qualidades, mas com algum mistério, que melhor do que o voo do falcão? Voará este para caçar, ou voará este porque ama a liberdade dos céus? E esta qualidade, a de manter mistério, poderá ser desenvolvida com nyása no falcão.

SwáSthya.

 (C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

Discípulo do Mestre DeRose

«Sou irmão de dragões e companheiro de corujas.»

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