Glosas (des)conexas?

Meus queridos

 

Deixo-vos algumas glosas. Também elas resultantes de conversas unilaterais com alguns de vós. Se (des)conexas, logo se verá.

 

1 – No bhúta shuddhi procura-se também a purificação das emoções e esta, em concreto, recebe o nome de káma shuddhi. O que se dedica ao káma shuddhi tem, habitualmente, a capacidade de limpar os ambientes que frequenta, possuindo energia vital suficiente para interferir, de modo positivo, na vida daqueles com que contacta.

 

2 – Ainda a propósito de purificação, há escolas, que propõem, para que o adepto se purifique, que se comece com a contaminação. Primeiro deveríamos contaminar até a um nível incompatível com a vida humana e então purificar. Esse é, v. g., o caminho iniciático dos xamãs. São intoxicados com, v. g., nicotina, em quantidades suficientes para matar um boi. Enquanto lutam, entre a vida e a morte, ainda vão sendo lavados, regularmente, com um veneno de absorção através da pele. Se sobreviverem, são-lhes administradas substâncias alucinogenas, afim de lhes provocarem tais alucinações que os enlouqueçam. Se conseguirem curar-se do corpo e da alma, são xamãs. Não conseguindo… bom nesse caso a tribo dá graças aos deuses por os terem livrado de um mau xamã. Na nossa escola não seguimos esse caminho. Preferimos seguir o preceito de que mais importante do que limpar é não sujar. Então diminuímos a quantidade de substâncias tóxicas que ingerimos ou que produzimos com as emoções viscosas.

 

3 – No pújá, que é comum a todas as tradições orientais, a repetição deste acto, vai criando no coração do aluno carinho e consideração pelo instrutor e pela Escola e pelos que a representam. Por isso, se os alunos de algum instrutor não têm esse carinho pelo mestre deste, é porque o pújá não costuma ser feito, ou é feito de modo deficiente.

 

4 – A reverência do aluno pelo instrutor, cria laços entre estes. Laços que perduram para lá da sala de aula, de modo a que nunca nenhum dos dois estará sozinho, doravante. Estejam em qualquer tempo ou local, estarão, sempre, amparados um pelo outro. E essa ligação é também com a egrégora, que protege todos os seus membros, como se fosse um anjo da guarda, perante os obstáculos que sempre surgem na vida.

 

5 – Claro que o pújá correlaciona-se com actos como os do guru sêva[i] e o karma Yôga. Não estará a fazer um bom bhavana pújá[ii] o aluno e o instrutor que deixa a sala de prática com coisas desarrumadas, ou partidas, ou por pintar, ou por limpar e nada faz. Assim como os instrutores que não auxiliam o seu mestre nessas tarefas, ou não tomam a iniciativa de as executar, não fazem um bom bhavana pújá, nem um bom karma Yôga, quanto ao guru sêva, nem é necessário comentar. Há que estar atento aos detalhes.

 

6 – Aconselho a que leiam O Fenómeno Humano de Theilhard de Chardin. Para os católicos, lembro que este autor era teólogo, filósofo e católico. E era um homem ligado à Igreja Católica.

 

7 – O discípulo deve ser leal e fiel. E para que um discípulo o seja deverá, enquanto aluno, ser educado a sê-lo. Deverá o seu instrutor educá-lo. Pois o aluno deve demonstrar ter lealdade e fidelidade. Porém, quem quer pessoas leais ao seu lado deve educá-las a sê-lo. E não demonstram grande lealdade os alunos que nunca participam em nenhuma, ou quase nenhuma das actividades que se programam. É da responsabilidade do instrutor educá-los. Educá-los no guru sêva, educá-los com o seu exemplo e com o serviço que presta ao seu próprio mestre, educá-los com o exemplo vivo. O alunos devem ser educados e treinados na arte de prestar serviço ao Mestre, à Escola. E uma das formas de prestar esse serviço é estar presente nas iniciativas que se programam, fortalecendo com a sua adesão, o evento e fortalecendo a egrégora, oferecendo-se para participar colaborando no que lhe for possível, ou seja, concretizando o apoio que diz manifestar.

 

8 – Considerando que a educação começa no berço, cabe a cada instrutor educar e treinar os seus alunos, desde o início do aprendizado, moldando o carácter do futuro discípulo. Mais tarde, passará ao mestre do instrutor que lhe transmitirá o conhecimento, que lhe dará a iniciação, através do método de parampará. E, finalmente, um dia, quando o mestre entender que é chegado o momento, este transmitirá a esse, agora, discípulo, o favor, a graça, a bênção, o toque, do Mestre – o kripá. É o toque que transmite a força da tradição ancestral ao discípulo. E, regra geral, apenas aos discípulos mais leais, não a todos. E podem receber a graça do mestre, mesmo que ainda não tenham ultrapassado totalmente as fases anteriores. Na verdade, o discípulo, aquele que o é mesmo, continua a cumprir com orgulho, com satisfação, com alegria, com auto-realização, as fases anteriores – continua a servir o mestre como sempre o fez e continuará a fazê-lo, não regateando esforços, não esperando que um outro faça por si. E continuará sempre a ouvir o que o mestre tiver ou quiser ensinar. Fá-lo-á mesmo quando o Mestre o submete à provação. Fá-lo-á, mesmo que o mestre o admoeste. Fá-lo-á perante as contrariedades, os ralhos do mestre, as provações a que for submetido. E continuará, pois só os de têmpera forte continuam até ao fim. Não desistem e superam-se, enfrentam os obstáculos, por vezes colocados pelo mestre, e desenvolvem as aptidões necessárias para superá-los. E, quando caem, erguem-se e seguem. Agora transmutados, mais fortes.

 

9 – Uma pessoa leal, é alguém em quem se pode confiar. É alguém cuja dignidade e nobreza o obrigam a cumprir a palavra dada e os compromissos livremente assumidos. Uma pessoa fiel é a que respeita as tradições e prossegue os seus propósitos, mesmo que no caminho se levantem obstáculos. Continuará a cuidar do que foi colocado à sua guarda. Transmitirá a tradição do SwáSthya Yôga sem a adulterar, sem modificar o que lhe foi ensinado. Mesmo que saia da escola, essa pessoa não inventará outra escola de Yôga.

 

10 – a própria prática pújá gera fidelidade e lealdade. O mestre sabe mais do que o discípulo. O pújá cria as condições adequadas a que do mestre jorre energia e conhecimento para o discípulo que lhe faz pújá. Este conhecimento pode ser inesgotável e directamente proporcional à receptividade e gratidão do discípulo. O pújá também gera uma atitude adequada ao desenvolvimento da receptividade ao ensinamento e amplia as fronteiras da experiência sensorial e extra-sensorial do discípulo, a ponto de este aprender, com a presença do mestre, com o contacto com o mestre, ainda que este, objectivamente, nada esteja a ensinar. E a evolução depende do receptor, mais do que do mestre. Nenhum mestre consegue ensinar aquele que não quer aprender, aquele que questiona e contradiz o mestre, nas indicações que este lhe dá. As provações existem e quando o discípulo mais sente as provações, quando é posto à prova, é porque está a ser testado no seu carácter e está a ser lapidada a sua personalidade. A presença do mestre é mais do que nunca necessária nesses momentos cruciais. O mestre é o dissipador (ru) das trevas (gu), ou seja, é o sol, é a luz que elucida, que clareia a existência.

 

11 – É necessário, para ultrapassar os obstáculos, que o discípulo confie no seu mestre. Mesmo quando não entende totalmente, ou mesmo de todo, as razões do caminho apontado ou delineado pelo mestre. O que confia, acaba por compreender. Quanto maior for a empatia do discípulo para com o mestre, menor será o impacto das provações iniciáticas. Concentrar-se no mestre, na sua imagem, como guia, que brilha, que ilumina, é indispensável para ultrapassar obstáculos, para conseguir a auto-superação.

 

12 – Alguns instrutores não educam os seus alunos a visitarem o mestre, a procurá-lo, a vivenciarem o Yôga com este e na presença deste, participando nos eventos que se organizam. E, no entanto, o contacto com o mestre é indispensável. Obviamente que o pújá intenso e vindo do coração cria laços fortíssimos com o mestre. Mas é importante conviver directamente com ele. Para aqueles que isto compreendem, e vivem longe, visitar o mestre é sempre um momento de grande emoção e de grande carinho, um momento único,. Por vezes, aqueles que estão próximos do mestre, que habitualmente estão com ele, tendem a considerar tal coisa como banal e a descuidarem da importância de tal proximidade, passando muitas vezes a desconsiderá-lo, não participando nas iniciativa, nos cursos, nas aulas, nas conferências, nas reuniões. Enfim, consequência da confiança que o sacristão vai adquirindo com os santos…

 

SwáSthya

 

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

Discípulo do Mestre DeRose

 

«Sou irmão de dragões e companheiro de corujas.»

 

 

[i] Serviço e entrega ao Mestre. Uma das fases selectivas do discipulado. Mas também uma forma de estar na vida, os guru sêvin, pessoas especiais, que auxiliam a humanidade de modo desinteressado e que fazem parte do círculo interno.

[ii] Saudação ao local onde se faz a prática, o Espaço Cultural, o Ashram.

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