Hoje abordarei a não democraticidade da inicia-ção e do caminho iniciático e da relação Mestre/Discípulo.
Julius Evola, no seu livro Le Yôga Tantrique, refere que a ciência, a técnica, são democráticas. Têm uma estrutura, intrínseca, de organização e de transmissão do conhecimento democrática. Qualquer um, medianamente inteligente, consegue ir à Universidade e fazer seus os conhecimentos actuais. Uma pistola produz o mesmo efeito nas mãos de um idiota, de um soldado, de um polícia ou de um chefe de estado. E a qualquer um deles é possível transportá-los de avião, no mesmo número de horas. Mas assim já não é com o conhecimento iniciático. No âmbito da ciência estamos no plano ontológico do ser humano. E aí, os princípios são os da igual dignidade. Porém o homem é qualquer coisa que pode ser ultrapassada, como ensinou Nietzche. A transcendência da condição humana, objectivo das disciplinas da auto-superação, como a nossa revolução cultural, conduz o sádhaka a um estado existencial e ontológico (ontos – ser, logos – fogo; ciência; estudo). Ou seja, a um estado de ser superior ao do ser humano comum, consequência da superioridade de uma evolução que leva a que o yôgin seja um mutante, por comparação com o resto da humanidade. Ora, o calor, o despertamento, da kundaliní, os siddhis que com isso se manifestam, são pessoais, intransmissíveis e não democratizáveis. E isto, esta profunda diferença, é a divisão fundamental entre a tradição e a modernidade. Pois a diferença real entre os seres é a base de um conhecimento e dum poder inalienáveis, não comunicáveis, logo, exclusivos e esotéricos pela sua própria natureza e não por artifício, pois trata-se de um culminar de um desenvolvimento excepcional, que não se pode partilhar com toda a sociedade.
Nesta sequência, René Guenón, o grande orientalista francês da primeira metade do séc. XX, estabeleceu, para classificar uma fraternidade, um círculo interno, como detentora de autênticos processos iniciáticos, três características que se devem observar:
1- Necessidade de uma genuína qualificação interna dos seus membros
2- Necessidade de uma transmissão do saber esotérico e de auto-aperfeiçoamento interior de cada um dos membros
3- Necessidade de actualização activa subsequente, pelo es-forço individual
Tais exigências devem-se ao facto de a iniciação não ser um mero ritual de passagem que celebra a aceitação numa fraternidade – por isso te fui alertando para o erro em que laboravas do “nós”, por contraponto a “mim”. Há “nós”, sim, mas com genuína qualificação interna dos seus membros e depois com a individual “actualização activa subsequente”. A iniciação é muito mais do que ser aceite num grupo. É, e pretende ser, um processo transformativo, de mutação, de auto-superação, que começa com um influxo energético, polarizado, pelo Mestre, proveniente dos domínios transcendentes e exercendo os seus efeitos ao nível dos corpos subtis. Porém, o que se envolve no processo iniciatório, deve ultrapassar-se também em provas físicas (vês aqui outra razão para a coreografia?) e ser corajoso. (…) O iniciado para vencer as provações e receber o conhecimento do Mestre, deve desenvolver, entre outras, as seguintes qualidades: saber, querer, ousar e calar.
A iniciação foi sempre reservada a alguns e nunca aberta a toda a gente. O impulso iniciatório transmuta o seu humano, se este não o detiver. Uma tradição iniciática usa tudo o que não é racional como elemento de transformação: o cor-po; os desejos; as pulsões; a imaginação; a clarividência; a emoção; a intuição. Pois o processo só pode iniciar-se e ter continuidade de fora para dentro, do Mestre para o discípulo.