A Sombra

Epístolas aos meus discípulos:

 

Meus queridos

 

Deixo-vos algumas notas sobre a sombra e a necessidade da sua integração.

 

arquétipos. São como projectos, compostos de intenção e de energia. Há vários e já nascemos com muitos deles. Por exemplo, as crianças, quando nascem, e até certa idade, reagem melhor a uma voz feminina do que a uma voz masculina. Isto tem a ver com um arquétipo. Os arquétipos permitem representar uma sabedoria intuitiva secreta que escapa à representação simbólica directa. Por essa razão Jung descobriu uma grande similitude entre os símbolos, lendas e rituais das religiões orientais e das religiões ocidentais, entre a alquimia ocidental e a alquimia oriental. Jung descobriu que os arquétipos desempenham um importante papel nos processos psíquicos que influenciam cada um de nós. Profundamente enterrado na psique humana encontrava-se o inconsciente colectivo (chamamos-lhe akasha), os arquétipos de milhares de anos de experiência humana. Estes arquétipos podem ser usados para explorar os limites entre o consciente e o inconsciente. O uso de arquétipos como objecto de meditação, funcionam como portas de entrada no inconsciente, sem se esperar que estes surjam do inconsciente.

 

Um de vós, um dia destes, comentava comigo que, por vezes, consegue observar-se, como se se visse de fora, como se fosse um observador externo.

 

O caminho para a consciência não é linear. É feito de procuras constantes do centro. Aliás a ideia do labirinto, como fonte de procura do seu centro, é uma imagem fantástica, pois uma e outra vez procuramos o nosso centro. Uma e outra vez procuramos o centro do labirinto, em busca do nosso Eu mais profundo. São as provações do labirinto. E, uma e outra vez nos perdemos nos caminho, nos perdemos do nosso centro e nos desequilibramos. Nessa busca, nessa procura, confrontamo-nos com a nossa sombra. A sombra é um dos arquétipos universais reconhecidos tanto pelas tradições ocidentais como pelas tradições orientais. Todos os Grandes Iniciados se confrontaram, com a sua sombra. Todo o guerreiro da luz um dia já se perdeu e se deixou afundar na sombra, falhando, descobrindo o seu lado negro. Mas ainda assim continuou o seu combate, a sua luta inquebrantável, rumo à consciência.

 

A sombra é uma energia que se organiza de forma intensa, poderosa, mas destruidora e viscosa. Tem vontade própria que, entregue a si própria, pode levar, no limite, até à destruição dos que não têm capacidade de se defender. Aceitar a sombra, aceitar que ela existe e em nós, em cada um de nós, exige do iniciado um esforço moral e de consciência considerável, dado que passamos a maior parte do tempo da nossa vida a reprimi-la.

 

A sombra é, de imediato, o que se opõe à luz, embora seja esta a criá-la, pois sem luz, a sombra não existe. Por outro lado a sombra constitui uma imagem das coisas fugidias e mutáveis. A sombra é também os traços de carácter inferiores e outras tendências incompatíveis com o nível ontológico a que o iniciado se catapultou pelo esforço de ascese. A sombra não é, por natureza, maléfica. Mas pode tornar-se, se for infinitamente recalcada no inconsciente. O iniciado só tem a ganhar em passá-la para a luz da consciência. Muitas vezes teme-se o aparecimento da sombra, pois é doloroso, e há sempre o medo de termos que assumir as nossas sombras, para as dominar, ou para as tornar benéficas. A coexistência dos contrários, no mesmo ser, é sempre difícil de suportar, contudo a complexidade de tal situação é muito mais enriquecedora. A complexidade é tão intensa que, por vezes, temos de sair de nós e saltar como um tigre sobre nós próprios para nos arrastarmos de novo para a luz, como disse a um de vós.

 

Eliade, A Provação do Labirinto, refere, como só ele consegue fazê-lo, esse perigo da procura interna e do confronto com a sombra. E o que diz é tão intenso que “assusta” quem ainda não se confrontou com o seu lado negro. E Eliade só aborda o perigo a que se sujeitam aqueles que observam os fenómenos do lado de fora. Muito mais intenso para os que mergulham nessa experiência. O C. no texto que escreveu para o SwáSthya Yôga Sádhana V, referiu que estes encontros servem para um mergulho no Yôga. E essa afirmação pode ser muito mais intensa do que, talvez, alguns de vós o tenham percebido.

 

Diz Eliade:

 

«O espírito está em perigo desde o momento em que tenta penetrar o sentido profundo de uma das criações mitológicas ou religiosas, as quais também são expressões existenciais do homem no mundo. Do homem, de um caçador primitivo, de um camponês da Ásia Oriental, de um pescador da Oceânia. No esforço hermenêutico do historiador das religiões e do fenomenólogo para se compreender por dentro a situação deste homem, existe um risco: não só de se dispersar, mas também de ficar fascinado pela magia de xamã, pelos poderes de um yôgi, pela exaltação de um membro de uma sociedade orgiástica. Não digo que fiquemos tentados a tornarmo-nos um yôgi ou um xamã, um guerreiro ou um exaltado. Mas sentimo-nos em situações existenciais estranhas ao ocidental e que lhe são perigosas. Esta confrontação com as formas exóticas que nos podem chocar, tentar, é um perigo de ordem psíquica. Foi por isto que comparei esta busca a uma longa viagem no labirinto; e trata-se de uma espécie de prova iniciática.

(….) Para compreender por dentro esse mundo deve vivê-lo. É como um actor que entra nos seus papéis, os assume. Por vezes existe uma tal diferença entre o nosso mundo ordinário e este mundo arcaico que a nossa própria personalidade pode ser posta em jogo.

(….) Sabemos bem, por exemplo – e mesmo os freudianos o dizem -, que o psiquiatra arrisca a sua própria razão ao frequentar a doença mental. O mesmo é válido para o historiador das religiões, O que estuda toca-o profundamente. (….) Vós participais no fenómeno que tentais decifrar: como se se tratasse de um palimpsesto, da vossa própria genealogia e da vossa história. E o poder do irracional, com efeito, está aí presente…. É a própria condição do homem quase revela desse modo.

(….) A confrontação com o vazio, com o nada, o demoníaco, o inumano, a tentação de regressar ao mundo animal, todas estas experiências extremas de dramáticas são a fonte das grandes criações do espírito, pois, nessas condições terríficas, o homem soube dizer sim à vida, tendo encontrado uma significação para a sua existência.

(….)

Pensava sobretudo em Durga, por exemplo, uma deusa sangrenta indiana, ou em Kálí: deusas-mães que, entre outras coisas, exprimem o enigma da vida e do universo, quer dizer, o facto de nenhuma vida se poder perpetuar sem o risco de morte. Estas deusas terríveis pedem o sangue, ou a virilidade, ou a vontade dos seus fies. Mas compreender essas deusas é, ao mesmo tempo, receber uma revelação de ordem filosófica. Compreendemos que esta união de virtudes e de pecados, de crimes e de generosidade, de criatividade e de destruição, representa o grande enigma da vida. Se devemos viver a existência de um homem, e não a de um autómato ou de um animal, nem a de um anjo, é com esta realidade acima descrita que somos confrontados. (….) Do mesmo modo, para todos os povos que aceitam a grande mãe, o culto dessas deusas terríveis é uma introdução ao enigma da existência e da vida. A própria vida é esta “grande mãe terrível” que corta as cabeças e que concebe; que simultaneamente assegura a fertilidade e o crime e, ainda, a inspiração, a generosidade, a riqueza. (….) A deusa-mãe é, simultaneamente, aquela que concebe e aquela que mata. Nós não vivemos num mundo de anjos ou de espíritos, nem mais num mundo unicamente animal. Estamos “entre”, e penso que a confrontação com a revelação deste mistério é sempre seguida de um acto criador. Penso que o espírito cria sobretudo quando está confrontado com grandes provações.»

 

Para finalizar aconselho, vivamente, a leitura de um conto de Andersen – A Sombra.

 

Azeitão, 4 de Julho de 2007.

 

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

Discípulo do Mestre DeRose

 

“Sou irmão de dragões e companheiro de corujas.”

MANTRA VIDYA I

Epístolas aos meus discípulos:

 

Os mantra são sons que foram percebidos, na origem, por sábios em profundo estado de meditação.

O mantra vidya, o conhecimento do que concerne à utilização dos mantra, é uma das ciências mais profundas do Yôga.

 

Descontrair o rosto faz parte do trabalho de neutralização emocional. Não como proposta de apatia e de indiferença. Mas sim como caminho para uma vigilância descontraída, confiante, sorridente.

 

O universo é composto por vibração. Inclusive o nosso corpo. No Yôga sabemos que tudo tem consciência, apenas em diferentes graus. O nosso corpo físico, denso, também é energia, logo consciência, portanto é possível, através da consciência, actuar sobre ele e com ele. Não faz sentido algum a separação mente/corpo. A existência é una. É após a separação de Shiva e Shaktí que surgem as divisões na existência. Shaktí no seu devir, na sua práxis transformadora, vai construindo todas as formas e nomes do Universo. E a divisão é uma construção (vikalpa). Ora em nós, kundaliní shaktí é fonte da consciência (chit shaktí) e o suporte que anima o corpo e a mente com energia (prána). Ao despertar vai reestruturar os nossos corpos. Vai fazê-lo, deslocando-se por todo o nosso corpo, detendo-se onde houver bloqueios. Um dos nomes desta energia supracósmica é Saraswáti, ou seja, “aquela que flui”.

 

A kundaliní é, a nível cósmico, shabda brahman, o som sem som. A nível microcósmico é shabda, o som audível, aquele que é designado tanto por Platão, como pelas escolas esotéricas como a “harmonia das esferas”.

 

Fazendo um parênteses, dexio-vos a nota de que o caminho da kundaliní passa por aperfeiçoar 8 qualidades:

 

shôdhana – purificação
dhriti – coragem
sthirata – constância
dhairya – resistência
lághava – subtileza
pratyaksha – evidência directa
nirvikalpa samádhi – identificação sem pensamento

 

O universo, como o conhecemos, resulta da diferenciação vibratória, do momento inicial em que Shiva vibra damaru[i]. O som produzido é pránava, grafado como ômkara –  (ÔM). O ÔM é tanto apelidado de pránava como de udgíthao que ascende. É o som incausado, é o som que é o próprio corpo vibracional do cosmos. É o som que representa a vibração infinitaspanda. Este som é perceptível a vós, praticantes de Yôga, a adeptos de outras escolas iniciáticas, mas sem som, imperceptível para o comum das pessoas.

 

Durante o CFIY expus-vos a doutrina do Rig Vêdá acerca de vak, o Verbo, a palavra, ela também expressão de ÔM. Referi-vos pasyantí-vak (fala visível); madhyama vak (fala mediana); vaikharí vak (fala manifesta) e a que está para lá destes estados – pará vak, a fala suprema. Correlacionei cada um destes níveis de som, com as formas ou os níveis de poder da serpente de fogo. Por isso não me deterei nesta doutrina. Estudem os apontamentos.

 

Tudo o que, no Yôga, dizemos sobre energia, a sua utilização, a sua subordinação à consciência, é mais próximo da física quântica, do que aquilo que a ciência foi exprimindo nos últimos dois milénios.

 

Dizemos nós, de acordo com o nosso conhecido preceito tântrico, que o que está aqui está em toda a parte; o que não está aqui não está em parte nenhuma.

 

Parménides[ii], um filósofo da antiguidade grega, ensinava algo de parecido:

 

– O que é, é.

– O que não é, não é.

 

Tais premissas implicam que aquilo que é, o seja, e não pode deixar de ser. Assim como o que não é, não pode vir a ser.

 

No mesmo sentido, lê-se no Bhagavad Gita:

 

II – 1, 2

O que é não pode deixar de ser

E o que não é, não pode vir a ser.

 

Entendem estas filosofias que experimentar o não ser, é um contra-senso. Apenas há o ser progressivamente revelado, manifestado e reconhecido na consciência, ela própria na sua natureza primeira, una e imutável.

 

O som, Shabda, manifesta-se de muitas formas, umas mais subtis, outras mais grosseiras, mas todas elas veículos da actuação de Parashaktí. Tudo o que é, move-se, e cada movimento é acompanhado de som, de vibração. Shaktí é a potência subjacente ao movimento, Shiva é o suporte. Shaktí corresponde ao plano sonoro de shabdabrahman, o som que não é afectado nem corrompido pelas inumeráveis formas (rupa) e nomes (nama) evolutivos que a Shaktí vai produzindo, incluindo a própria linguagem. Para que, o que vos digo, não sejam meros aspectos teóricos, é necessário desenvolver percepção, sensorial e extra-sensorial, através da purificação do corpo. O ouvido deve afinar-se; o coração deve purificar-se e estar aberto ao afecto, ao amor – sim, ao amor individual, louco, da paixão, de que vos falava, a propósito do filme O Tigre e o Dragão, mas também a um amor mais amplo e mais divulgado pelos santos homens e mulheres de todos os tempos; o tacto, a sensibilidade física ao toque, ao contacto, também deve desenvolver-se; o cheiro deve apurar-
-se; enfim, todo o corpo físico deve fluidificar para ganhar acuidade sensorial. E o desenvolvimento dessa acuidade é o primeiro passo para o surgimento dos siddhi que nos permitem outras percepções mais subtis.

 

O começar a perceber sons subtis, é um primeiro passo para a percepção do resto. Um dia destes, a um de vós, referi que, no que à evolução respeita, temos um chakra onde se escuta o som (anahata), não temos um onde se “vê a luz”. E naquele em que pareceria que assim é, não vê. É ele próprio luz, fonte de luz – sahásrára.

 

O tantrismo que tudo isto nos vai ensinando é uma fantástica e fascinante filosofia, muito para lá dos aspectos sexuais (sem os minimizar ou diminuir) e do maithuna (que é fantástico e proporciona, mais que não fosse, um sublime e supremo prazer). É uma filosofia profunda que nada tem de irracional. Apresenta-nos um sistema equilibrado: Shiva como consciência estática, Shaktí como consciência dinâmica. Também nos apresenta o mundo como algo de real, pois se o mundo é expressão das manifestações de Shaktí, se o mundo são construções (vikalpa) de Shaktí, então são aspectos da realidade última. A evolução, que produz a ilusão da transformação não real, é apenas consequência do movimento (spanda), do devir da Shaktí.

 

É o movimento que produz a tripartição que leva à ilusão de que o mundo não é real:

1 – som (shabda);

2 – objecto (artha);

3 – cognição (pratyaya).

 

E isto porque a evolução vai do subtil (paramshiva) ao grosseiro (ashuddha). Esta evolução, passa por cinco categorias de criação pura e trinta e uma de criação impura, que não desenvolverei.

 

O som articulado, mesmo aquele que usamos para produzir palavras, para falarmos uns com os outros, é, como também sabem da doutrina do mantravaikhari. De vaikhari manifestam-se as letras (varna); as sílabas (pada) e as frases (vákya). Nada e bíndu são complementos da última potência da criação. Nada, bíndu e bíja costumam manifestar-se juntos. Destes saem os tribindu ou kámakála, a raiz de todos os mantra. Os tribíndu são o branco (sita), o vermelho (shôna) e o misto (mishra). Os tribindu têm várias correspondências, como a lua, o fogo e o sol; ou a vontade, (icchá), conhecimento (jñana) e acção (kriyá), etc.

 

Ensinam os shástra que shabda tem a natureza das letras (varna) e dos sons (dhvani). Ora vak é falar. Mas tem a dupla significação de ser o falar, mas também o som dos objectos inanimados. Vak tem um significado parecido com o de shabda. Mas vak é mais m efeito do que uma causa. Shabda, tendo a natureza das letras e dos sons, é-lhes prévio.

 

 

1                      Houve um filósofo, Plotino, que ensinava que no Universo as coisas movem-se e atraem-se por amor. Os planetas, mantém-se em sistemas, com órbitas definidas, mas interligadas, por amor. As pessoas, os homens, as mulheres, aproximam-se e vivem juntos, em família, em grupo, em sociedade, também por amor. Ensinava, Plotino, tal coisa tão bonita. Acontece que quando aprofundamos o estudo do som, o estudo das palavras de poder, o estudo do mantra e do Tantra, descobrimos que na origem dos sons está o desejo cósmico (káma) ou a vontade (iccha). É o desejo ou a vontade, do Um primordial se transmutar em múltiplos de si próprio. E é esse o desejo que anima também, nos planos menos subtis, entre outras coisa, o amor e o desejo sexual. É esse desejo, manifesto através da vibração inicial, que dá origem ao som, ao mantra. Também por isso, muitas tradições tinham e têm, o vishuddha chakra, como o criador por excelência. Desejo e procriação terrestre, humana, são manifestações, limitadas, é certo, do impulso inicial. Também por isso, a sentimento de quase total realização da mulher que se sente grávida e que dá à luz.

 

Ora, o som do movimenteo inicial, no princípio dos tempos, na aurora da diferenciação, é, como acima já vimos o ÔM. Nos seres humanos a cognição, os objectos e o nome dos objectos, aparecem como três realidades distintas. Mas são tão só três manifestações eficazes do movimento, do impulso inicial.

 

Ora a diferenciação entre as manifestações grosseiras do som e as subtis, a percepção das manifestações mais altas (atindriya) só são percebidas pelos Yôgis desenvolvidos. Os Yôgis vêem, apreendem. O kama-manas do Yôgi apreende os objectos subtis, de modo global, numa experiência de identificação, onde não há nem o sujeito, nem o objecto – nyása[iii]. Ora, a apreensão de uma imagem ou objecto (artha) evocado por uma palavra (shabda) é, verdadeiramente, cognição (pratyaya). Como se vê, aquilo que, ao ser humano comum, surge como três manifestações distintas, é para o Yôgi uma só coisa.

 

SwáSthya

 

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

Discípulo de Shrí DeRose

«Sou irmão de dragões e companheiro de corujas.»

[i] O tambor de Shiva. Simboliza a força criadora de Shiva.

[ii] Parménides de Eléia (530 a.C. – 460 a.C.).

[iii] Brahmasvarúpa é outra forma de designar nyása.

Chakra e glândulas

Epístolas aos meus discípulos:

 

Meus queridos,

 

Deixo-vos um quadro, rudimentar, com paralelismo entre os chakra e as glândulas correspondentes. É uma informação que podem obter em qualquer livro. Mas deixo-
-a já destilada. Tenho com isso o objectivo de vos chamar a atenção para estas correspondências. Muito do que ocorrer no corpo físico, em consequência da prática de Yôga, provém da reacção das glândulas. A juventude, muitas vezes o rejuvenescimento, a longevidade, a boa saúde, que costumam ser apanágio dos praticantes de Yôga (ah, e no caso dos swástha yôgis, parece ser imortalidade J), é corolário do funcionamento óptimo, equilibrado, das glândulas. Mas também a manifestação de siddhi, nos quais o corpo físico também interfere, resulta, em grande parte, da acção das glândulas e, obviamente, das hormonas que produzem. Certamente já ouviram falar do fenómeno poltergeist. Há até um filme, já com uns bons anos, que se debruça sobre esse fenómeno. Habitualmente esses fenómenos ocorrem em casas e famílias onde há adolescentes entre os 10-12 anos e os 19-10 anos. Como saberão também, a glândula pineal, glândula cujo funcionamento é algo estranho, actua intensamente durante aquele intervalo de tempo. Por outro lado, tal glândula, corresponde, aproximadamente, no corpo físico, à localização do sáhásrara chakra. E, singularmente, tal glândula, na nossa idade adulta, parece ter a função de reagir à luz. Ou seja, perante a luz, acorda-nos. Se abrirmos a janela do quarto de alguém que dorme, será uma das formas mais adequadas de acordar essa pessoa. Mas sobre esta glândula, deixo ao Prof. A., para quem estes apontamentos também são remetidos, o apelo a que nos encaminhe algumas informações que tenha sobre a mesma e sobre o seu funcionamento.

Estes apontamentos, que vos vou deixando, resultam da minha necessidade de vos comunicar muito sobre o SwáSthya Yôga que habitualmente não está à luz do dia, por muitas e variadas razões. Desde logo porque não se dão pérolas a porcos. Na viagem vai-se indicando este ou aquele aspecto. Vamo-nos transformando com o processo evolutivo. E os arcanos vão sendo comunicados e nós passamos, gradualmente, a ter a capacidade de os entender e de os incorporar de modo a servirem o nosso caminho para a luz. Vou conversando tudo isto convosco, porque sois tão excepcionais que estimulais em mim a necessidade de vos comunicar todas estas pequenas e insignificantes coisa, que vou conseguindo partilhar. Faço-o também, para que a profundidade iniciática do SwáSthya Yôga não se perca entre nós. Pois, infelizmente, em muitas escolas de Yôga, até a referência a chakra, kundaliní, é olhada com desconfiança (a desconfiança resultante de, aquele instrutor de Yôga, em concreto, não saber do que falamos, de nunca ter tido a mais pequena experiência energética, a mais pequena vivência, seja por si e em si, seja pelo contacto, o toque, a presença do seu mestre – e quando assim é, difícil se torna compreender do que se fala). E assim, poupo-vos o trabalho de acederem ao inconsciente colectivo para redescobrirem, mais uma vez, o que já foi descoberto, cujo dever dos que conhecem (o pouquito que “conheço”) é ensinar, transmitir aos discípulos.

Antes de, finalmente, passar ao dito quadro, ainda vos quero dizer porque razão Shrí DeRose é o meu Mestre. É-o antes de mais porque me aceitou como discípulo. Mas também porque foi e é por ele e através dele, ou seja, da motivação que me proporcionou, por si, através da sua palavra, do seu ensinamento, que consegui fazer as minhas práticas de Yôga e concentrar-me o suficiente, para aceder, quando o momento me é favorável, ao inconsciente colectivo e ajudar a resgatar conhecimentos ancestrais que são património da humanidade. Como afirma, no seu último livro, Mestre Sérgio Santos, no SwáSthya Yôga, por vezes, quando escrevemos, o que estamos a fazer é quase psicografia. Não à moda dos médiuns, que escrevem sem saberem o quê, sem terem consciência do que escrevem. Mas, de modo consciente, pomos para o papel esses conhecimentos de antanho, que se resgatam do akasha. É pela força da sua inspiração e do seu exemplo, que tenho Mestre DeRose, como meu Mestre.

Cá segue o dito quadro:

 

Chakra Significado Correspondência física
Localização Glândula

endócrina

Hormona
Da flor Da raiz
Sáhásrara De mil pétalas Brahmarandra

Crânio: fontanela, ou bregma

Cérebro: sulco central ou de Rolando

Glândula Pineal Pineal ou epífise Melatonina
Ajña Comando Bhrumadhya. Intercílio. Glândula pituitária + hipotálamo Pituitária ou hipófise (+ hipotálamo) (Hipotálamo) – Hipófise posterior.

(Neuroipófice):

– Vasopressina – ADH ou hormona anti-diurética

– Oxitocina

Hipófise anterior (adenoipófise):

– Somatotrofina – GH, ou hormona do crescimento – HCH

– Prolactina

– Tirotrofina – TSH

– Adrenocorticotrofina – ACTH ou corticotrofina

– Folicolina FSH

– Luteína

Vishuddha Purificação Kantha múlá sthana, garganta. 4.ª vértebra cervical Tiróide/paratiróides Tiróide:

– Tiroxina – T3

– Triodotironina – T4

– Calcitonina

Paratiróides:

– Paratormona

Anáhata ou

(Shabda Brahman)

Onde se escuta o som Sobre o coração, com um desvio para o lado esquerdo. 6.ª dorsal Timo Hormona tímica
Manipura Reluzente como uma jóia. A cidade das mil pedras preciosas Nabhi sthana – sobre o umbigo 4.ª lombar Pâncreas. Ilhéus de Langerhans

Supra-renais

Pâncreas – Ilhés de Langerhans:

– Insulina

– Glucagon

Supra-renais – córtex:

– Mineralocorticóides – aldosterona

– Glucocorticóides – cortisol (cortisona)

– Androgénios – androstenediona

Medula:

– Epinefrina (adrenalina)

– Norepinefrina (noradrenalina)

– Dopamina

Swádhisthána Fundamento de si mesmo Yôni/Linga 4.ª sagrada Glândulas sexuais ou gónadas (ovários/testículos) Ovários:

– Progesterona

– Estradiol

– Estrona

– Testículos:

– Testosterona

– Androstenediona

– Estradiol

– Estrona (estrogénios)

Múládhára Suporte da raiz Guna sthana – períneo, junto do ânus. Kanda – 3.ª coccígea Corpo de Luschka

 

SwáSthya

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya.

Dsicípulo de Shrí DeRose

«Sou irmão de dragões e companheiro de coruja.»

Celebro os ciclos

              Deixo-vos um texto, inspirado, que escrevi à nossa senescal.

              Hoje passei numa floresta que cheirava a floresta. Com um cheiro húmido, a uma infinidade de plantas, árvores de várias espécies e algo de abafado, um certo cheiro a decomposição de matéria verde, orgânica. Há muitos anos que não sentia tal cheiro. Foi inebriante, foi tão bom, tão sereno. Abri a janela do carro, fechei os olhos e deixei-me envolver na experiência. Por vezes, estes pequenos momentos, estes instantes, chegam a compensar todas as chatices de um ano inteiro.

              Quando assim é sinto-me parte de toda a Natureza. Sinto-me sólido, denso e ancião como as pedras, sinto-me arguto, ágil, feroz, sereno, sem esperança, mas sem desânimo, como os animais, eterno na mudança, igual no renascimento; como as plantas, sinto-me um parente afastado dos Elementais.

              Sinto-me em comunhão com esta grande família, como se já lhe tivesse pertencido, como se tivesse que buscar em mim a harmonia que anseio.

              Recentemente falei-te que o equinócio de Outono havia chegado. Ainda não há muito tempo assinalávamos a chegada das estações, procurava despertar-vos para o fecho e o início de ciclos, através da mudança das estações. Procurava, convosco, celebrar a mudança das estações. Assinalávamo-las com cânticos (mantra), dança (ásana), festas (as delícias que compravam ou preparavam com as vossas mãos e o vosso amor). (…) Ainda assim, eu celebro cada giro da Roda com as minhas práticas, por vezes, na floresta, ou no cimo da montanha.

              Eu celebro outros momentos, alguns adequados a descobrir o passado, outros nos quais se deve olhar, contemplar, o futuro. E trabalho esses momentos com toda a liberdade, onde presto homenagem aos que me precederam e aos que amo, assim como aos que me hão-de suceder. Honro a luz do sol, queimando um tronco, ou melhor parte dele, de carvalho (dru para os celtas) na lareira, no Inverno, num fogo que adquire, por esta razão, contornos de sagrado, assinalando o Solstício de Inverno. Honro o sol cuja luz é diminuta. Honro a nova criança-Sol que acabou de nascer (chamam-lhe de natal, chamam-lhe de Menino Jesus), é um festival de paz e uma celebração da minguante luz solar. Honro a Grande Mãe, na sua forma de azevinho, na sua forma de hera, e outras ervas tidas como sagradas, com que procuro decorar a minha casa, por altura do que se chama de Natal. Por volta desse tempo, vou de noite para a minha varanda, e sento-me nesta, no azulejo do chão, e deixo-me por ali ficar, a comungar com as cortantes temperaturas de -4 ou -5 graus que às vezes se registam, de noite, onde moro. Deixo-me ficar por lá a receber no corpo a luz da Lua.

              Em Janeiro ou Fevereiro, procuro da terras altas e geladas onde procuro harmonizar-me com outro tipo de frio, com a neve e as suas especiais características. Em Fevereiro, procura intensificar a minha purificação, aproveito para mais uma fase de bhutta shuddhi, eliminando bloqueios, de modo a receber, condignamente, nos meus corpos, a Primavera e o novo renascimento. É na Primavera que vos tenho proposto novos objectivos, que vos convido para actividades artísticas, pois celebro-a, assim como à terra que está verdejante. Maio é um verdadeiro festival de luz, cor, cheiro, flores, fertilidade, prazer.

              No Solstício de verão, momento principal de reunião e de união de forças e de energias, procuro saudar os velhos amigos. Procuro honrar com ritmo, o movimento do sol, agora forte e pujante. Em Agosto celebro o ápice do Verão.

              Estamos no equinócio de Outono, que é o momento final de um ciclo. É tempo de devolver à terra o que esta nos facultou.

              Mas também honro as minhas jornadas, da minha vida, dos ciclos de crescimento e de recuo, de frutificação, de colheita, de paragens e de recomeços. A minha vida como a de todos, mesmo que disso não tenham consciência, é uma sucessão de ciclos. Que se vão desenvolvendo desde o nascimento até à morte desta, de novo, até que a morte sobrevenha.

              Mas estes ciclos, de mudança e renovação, não ocorrem só na minha vida, mas também na estirpe de onde provenho, na herança da Nossa Cultura, com os quais a minha vida se conecta, dos meus antepassados até hoje. Dos meus mestres, até vós, dos meus mestres até ti. Toda a minha herança, e os ciclos pelos quais passaram fazem parte de mim. É a antiga sabedoria da Renovação, Destruição, Conservação, contida e expressa nas lendas e ensinamentos de Shiva.

(…)

              Honro a natureza, nas árvores, na floresta, nas ervas, no jardim, nos pássaros, na montanha.

              Sei que, tanto os obstáculos como a evolução, têm muitas facetas. Por isso deixo que o sol me energize; deixo que a água do oceano me purifique; deixo que o vento gelado, pouco a pouco, faça a vida esvair-se de mim, pouco a pouco vá levando o meu sopro; deixo que os bosques e as florestas me renovem, me façam sentir como se fosse de novo uma criança; deixo que Pashupati me proteja na montanha. Deixo que as árvores me falem e que a sua linguagem flua por mim. Deixo que fluxos de energia passem pelas minhas mãos na montanha. Deixo que as grutas, às vezes, tão só, meros buracos numa parede rochosa escarpada, me protejam, deixo que estas experiências me perpassem nas minhas jornadas internas, enquanto busco, sozinho, o caminho para o centro. Dessas jornadas, por vezes, regresso, de outras dimensões, com conhecimento. A introspecção, a intuição, a percepção do subtil, é algo natural e comum aos seres humanos.

              Faço o que posso para transmitir um pouco do que aprendi, daquilo que me foi ensinado, preocupo-me em ensinar qual o caminho através do qual poderão encontrar maior equilíbrio, que terão de buscar na própria vida. Procuro, com o conhecimento obtido, ser um catalisador, que faça desvendar em vós o que cada um tem de melhor.

 Cantanhede, Setembro de 2008

© João Camacho

Bandha

                        Bandha significa fecho, controlo, contracção. São contracções ou compressões de plexos e glândulas. Actua sobre glândulas endócrinas e plexos nervosos e no nosso sistema têm por finalidade despertar e controlar as energias subtis que circulam no nosso corpo. Profundamente fisiológicos, criam um estado de consciência entre o ásana e o Yôganidrá.

A prática de pránáyáma é indissociável da prática de bandha e mudrá. Têm a função de controlar e guiar o prána absorvido, produzido, ou posto em circulação pelo pránáyáma.

                        Os bandha têm a função de fusíveis, ou de interruptores de segurança, que impedem curto-circuitos energéticos.

 

Jalándhara Bandha

O fecho da rede

O queixo pressiona o cimo do esterno e estes ossos ficam juntos. Fecha as 16 partes vitais (ádhára), destrói a morte. As 16 partes vitais são: polegares, tornozelos, joelhos, fémures, prepúcio, órgãos de reprodução, umbigo, coração, pescoço, garganta, palato, nariz, intercílio, testa, cabeça, fontanela (brahmarandhra).
Uddiyana Bandha

Voar; Para Cima

O Grande Pássaro é forçado a voar para cima através do sushumnâ; emancipando-se com facilidade, conquistando a morte.
Múla bandha

contracção da raiz da base

Destrói a decadência; controla o prána

 

 

Jalándhara Bandha

O Fecho da Rede

 

                        Consiste na compressão do queixo sobre o peito, na zona da depressão jugular, a cavidade da união das clavículas. É citado no Yôga Chudamani Upanishada, Shiva Samhita, Hatha Yôga Pradipika e Yôga Mimansa e no Ghêranda-Samhita.

Protege o cérebro da desoxigenação. Desde que bem feito fecha as artérias carótidas e as veias jugulares, permitindo que o sangue arterial fique no cérebro, que, não obstante ser o maior consumidor de oxigénio do nosso corpo, em repouso não consome quase nenhum. Como a grande circulação também não se faz, o sangue que fica no cérebro é suficiente para protegê-lo. As zonas baixas, maxime as pernas, também consomem muito pouco oxigénio, tal como já vimos acima, quando tratamos o ásana.

Evita o congestionamento do rosto. As grandes pressões internas, provocadas pela absorção de 5,5 l ar são mantidas abaixo da epistole evitando-se assim prováveis lesões no canal auditivo, trompa de eustáquio, cóclea. Para se conseguir máxima compressão este bandha deve ser acompanhado de jíhva bandha, que trataremos abaixo.

A finalidade do pránáyáma é a ausência da respiração, num estado de auto-suficiência, que só se atinge com a diminuição das funções vitais. Ora acontece que durante as retenções o batimento cardíaco aumenta, o que não deveria acontecer. Os batimentos deveriam diminuir e estabelecer-se um ritmo poderoso, mas lento. Porém o sistema simpático aumenta o ritmo cardíaco, o impulso respiratório e o metabolismo basal. Parece então que o que conseguiríamos com o kúmbhaka seria o contrário do que se pretenderia. Se assim fosse não passaríamos de aprendizes de feiticeiro.

                        Este bandha alonga as vértebras cervicais e a espinal medula. O que conduz à compressão do bolbo céfalo raquidiano onde se inicia o nervo vago, pneumogástrico, o principal nervo parassimpático, parte integrante do sistema nervoso autónomo. O gânglio plexiforme também é comprimido, e deste parte o ramo cardíaco-cervical do nervo vago. Assim desencadeia-se uma acção reflexa de diminuição das funções vitais e do batimento cardíaco.

Ora o estímulo do bolbo raquidiano, centro de comando respiratório, localizado por cima da medula oblonga na base do tronco cerebral, reage à condição psicofisiológica global que ocorre no sádhaka. Assim reage ás variações do ph do sangue, às variações do CO2, às variações de O2, às diferenças de pressão sanguínea. Adapta a respiração às condições internas e externas existentes, determinando uma diminuição das funções vitais, aumenta as secreções gástricas. Consegue-se um estado pré-comatoso de modo consciente. Desta forma inicia-se o reflexo de mergulho, em que as pulsações baixam de 70 por minuto para 12 por minuto. O sangue é retirado de outros órgãos para ser concentrado no coração e no cérebro, suprindo assim as necessidades destes órgãos. O oxigénio contido nos músculos é libertado e o metabolismo altera-se. O organismo começa a decompor o açúcar existente no sangue, produzindo ATP e ácido láctico. A temperatura corporal sobe por falta de ventilação. Os pulmões entre outras cumprem uma função de regulador térmico do corpo, ventilando-o. Durante uma retenção essa função não é cumprida. A respiração celular é estimulada, com consequente aumento e libertação de energia. O corpo transpira devido à degradação de ATP, que produz imenso calor.

A respiração celular é um estimulante geral do nosso organismo. Rejuvenesce e aumenta o período de juventude saudável, diminuindo o período de velhice senil.

Para além do fenómeno já descrito ainda há a considerar a cavidade jugular onde se localiza o sinus carotidiano, local onde a carótida se bifurca, seguindo depois uma pelo lado esquerdo, outra pelo lado direito do pescoço.

Do sinus carotidiano saem nervos, barorecpetores, isto é, terminações nervosas sensíveis à pressão, que, comprimidos, modificam a actividade do cérebro e o estado de consciência. Determinados estados de consciência alterada, só passíveis de ser alcançados com grande prática de meditação, podem ser «facilmente» alcançados com este bandha. Toda a compressão nesta zona produz, por via reflexa uma diminuição da tensão arterial, dos batimentos cardíacos e da respiração, pois estas fibras nervosas estão ligadas ao sistema parassimpático, que tem sobre estas funções a acção de refrear.

Em termos energéticos o jalándhara bandha transforma prána em apána.

 

Uddiyana Bandha

Voar; Para Cima

 

Este bandha é citado pelo Ghêranda-Samhita.

O processo de uddiyana bandha, consiste em elevar, por sucção, o diafragma e pressionar os órgãos abdominais contra a coluna vertebral. É executado com uma participação intensa dos grandes rectos e do diafragma. Modifica a forma da caixa torácica que se eleva ao máximo e se abre. O vértice do triângulo inverte-se. Os pulmões desenhavam um triângulo com o vértice para cima, Com esta contracção este inverte-se e o vértice fica em baixo.

Devido às diferenças de pressão que se exercem sobre o abdómen neste bandha, o sangue venoso é devidamente drenado através da veia cava inferior. O diafragma cumpre assim a sua função de «coração venoso», auxiliando o músculo cardíaco.

Quando a kundaliní desperta e entra em sushumná, em conjunto com apána que inverteu a sua polaridade, junta-se ao fogo, agni, do manipura chakra onde se localiza samána váyu. Desta forma há uma alteração quantitativa e intensa no nível de energia, que permite à kundaliní continuar a elevar-se e atingir os chakra superiores. Com o que o sádhaka conseguirá estados de consciência alterada: dhyána – hiperlucidez; samádhi – megalucidez.

Se for estático é tamas uddiyana bandha. Se for dinâmico é a variante rajas uddiyana bandha.

 

Múla Bandha

Contracção da Raiz da Base

 

Esta contracção é citada pelo Gheranda-Samhita.

Consiste numa forte contracção dos dois esfíncteres anais. Mas na verdade, pelo menos no início, enquanto o sádhaka é incapaz de fazer dissociação muscular entre os esfíncteres anais e a musculatura pélvica, esta contracção também contrai os músculos dos órgãos genitais. Desta forma permite à mulher um grande domínio sobre os músculos vaginais e nos homens aumenta a potência sexual e ajuda a controlar a ejaculação. Mas a este tema voltaremos mais tarde.

Em termos energéticos este bandha fecha uma das saídas de energia do corpo e transforma apána em prána. Estimula e empurra kundaliní para cima. Acorda o múládhára chakra. Abre também a entrada de sushumná nádí (brahmá dvara) obstruída pela cabeça da adormecida Kundaliní.

Localizado na zona sacra, encontra-se uma parte do parassimpático, desligada do principal, atrofiada, antiga, ligada às funções ancestrais do paleocórtex, às funções animais de sobrevivência e reprodução – o parassimpático pélvico.

Estimula também o corpo de Luschka, pequena glândula localizada na extremidade do cóccix.

É difícil agir de modo consciente sobre este nervo. Mas com o múla bandha podemos fazê-lo.

Do parassimpático saem fibras nervosas vasodilatadoras, que estimulam e controlam o funcionamento do cólon descendente, do ânus, e da bexiga, zona do apána. Outras, vasodilatadoras, vão para o pénis e para o clítoris e a vulva. Também estimulam as glândulas sexuais.

Pelo que a execução deste bandha é importantíssima.

Múla bandha adquire a designação de rajas múla bandha [1] sempre que os esfíncteres anais são contraídos e descontraídos com ritmo e sucessivamente.

À contracção chama-se acuncana, e prakashana à descontracção.

O rajas múla bandha fortalece a musculatura pélvica, impedindo ou eliminando hemorróidas e fissuras anais.

Se múla bandha estiver bem executado o sádhaka deve sentir uma vibração interna desde os genitais até ao umbigo. Mais tarde poderá senti-la quase até ao coração e inclusive até à garganta.

 

Bandha Traya

 

                        Bandha traya significa – três bandha. Se juntarmos os três bandha anteriores, praticando-os conjuntamente e executados um após o outro na ordem indicada – múla bandha, uddiyana bandha e jalándhara bandha, – temos o bandha traya, os três bandha.

                        É durante a execução de bandha traya e kúmbhaka, que apána e prána váyu se equilibram, que a energia deixa de circular por idá e píngala nádí, para subir e circular pela nádí do fogo, pela nádí ígnea, sushumná.

 

Jíhva Bandha

 

                        Para executar este bandha o sádhaka deverá iniciar uma deglutição. A musculatura accionada sobe. No ponto mais alto o sádhaka não a conclui. Aí tem a língua a pressionar o céu da boca e a ulva. E é nisto que consiste este bandha.

                        A glândula pineal é estimulada por massajamento reflexo, isto é, é comprimida pelo aumento da pressão intracraniana.

Também poderá ser utilizado por si e não como complemento do jalándhara bandha. Acontecerá quando o sádhaka estiver impossibilitado temporária ou permanentemente de executar o jalándhara. Neste caso deverá executá-lo com a cabeça tombada para trás e a língua a pressionar o céu da boca e a ulva. Ou ainda quando quiser fazer retenção em algum ásana que não permita comprimir o queixo contra a cavidade que fica imediatamente acima do externo, como seja em bhujangásana ou em padma shirshásana.

 

 

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

 

[1] Algumas escolas chamam-lhe asvini mudrá. E fazem-no porque asvini significa égua, que após expulsar o excremento, contrai e descontrai diversas vezes o anus. Mas mudrá é gesto feito com as mãos. Então um movimento anal não pode ser mudrá. Daí que no Yôga antigo não adoptemos essa nomenclatura, mas sim a proposta, visto que do que se trata é do mula bandha, feito com movimento (rajas).

Os números e a numerologia

Meus queridos

 

Ainda acerca dos números, deixo-vos agora os seguintes conceitos:

 

1 – Segundo o Tantra, o bindu, ponto de energia primordial, o púrusha, gera a matéria primordial, prakrutí, constituída por três qualidades (Triguna): sattwa (essência, silêncio [recordam-se do ensinamento que nos diz que quem fala não sabe; quem sabe não fala?]); rájas (energia, paixão) e tamas (substância, inércia). No início, encontram-se em harmonia. Pela acção desequilibram-se e dão origem a todas as formas e números do Universo.

 

2- Temos o um  ( . )  temos o dois ( — ) , que ao juntarem-se , com a relação que estabelecem, dão origem ao três . Quase poderíamos dizer: o pai, a mãe e o filho. É a base de muitas trindades, mesmo a católica, que quer disfarçar a mãe através da designação de espírito santo. Mas durante séculos o espírito santo foi apelidado de Sofia – sabedoria.

 

3– Por vezes surge a designação da harmonia das esferas. Há, na tradição da numerologia, alguns considerandos sobre isto. Esta tese, que se saiba tem origem em Pitágoras. Segundo a lenda, Pitágoras, um dia, ouviu os ferreiros numa oficina a baterem com vários martelos em metal que trabalhavam em cima de uma bigorna. E concluiu que os sons podem ser expressos em números e em proporções geométricas. E daí saltou para a teoria de que o Universo é composto por números que se relacionam em proporções harmoniosas. Assim, tanto o microcosmos, como o macrocosmos se relacionam segundo uma proporcionalidade ideal. E chegou a atribuir uma nota a cada planeta, que se determinaria pela velocidade de rotação deste. A distância entre planetas estaria relacionada com intervalos musicais. Kepler veio, mais tarde, a tornar o sistema ainda mais complexo. Mas hoje não vos falarei de Kepler.

 

4- Haveriam 9 esferas, no céu estrelado. E entre a terra e essa zona haveria um intervalo de uma oitava completa. A escola pitagórica ensinava que as sete fases da oitava compunham o universo [para os que fizeram o curso de meditação comigo, recordar-se-ão do quaternário inferior e do ternário superior e da evolução do quadrado ao círculo através das oito partes?], pois o sete, ensinava, combina a trindade com os quatro elementos (terra, água, fogo e ar). Para Pitágoras é nos intervalos consonânticos das oitavas, quintas e quartas que se encontra a origem do Universo. Dizia Pitágoras que se avançássemos do 1 ao 4, surgir-nos-ia a mãe primordial de todas as coisas – o 10. Como ontem já vos tinha referido, 1 + 2 + 3 + 4 = 10. Toda a criação está contida nesta fórmula. Temos o Um, o Dois, a relação entre eles, o Três e os quatro elementos esotéricos, com que a prakruti vai trabalhar para dar origem ao universo. Temos o quaternário, temos a ternário superior. Temos o oito – o método. Temos os nove, a iniciação. Temos as proporções e até uma muito interessante. No sete, a distância que vai do Um ao quatro é a mesma que vai do quatro ao sete.

 

Por hoje chega de números.

 

SwáSthya

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

Discípulo do Mestre DeRose

«Sou irmão de dragões e companheiro de corujas.»

A simbologia da origem lendária do Yôga

Quando se procura a origem do Yôga, verifica-se que se perde na noite dos tempos. Os documentos históricos e arqueológicos são escassos e referem-se à Nossa Cultura como algo de muito ancestral. Mas a mitologia dá o seu contributo. E é possível encontrar nas lendas muitas informações sobre a cosmogénese e a antropogénese na perspectiva hindu.

Uma das mais antigas lendas relata que a filosofia que preconizamos surgiu na Terra quando um peixe, matsya, que nesta lenda simboliza a forma de vida primordial no planeta, assistiu ao ensinamento que Shiva ministrava à sua Shaktí. Este ensinava-lhe a nossa tradição ancestral. E Matsya foi imitando os exercícios que Shaktí ia praticando. E à medida que o ia fazendo foi evoluindo. Primeiro saindo da água, depois adaptando-se à vida terrestre. Depois transformou-se em Homem (evolução do peixe ao mamífero humano). Este, o homem, por sua vez, através da prática do Yôga evolui até ao nível do iluminado.

Repare-se no paralelo que se pode estabelecer com a origem da vida na água, a evolução que ocorre da água para terra, e com a própria teoria da evolução.

Por outro lado, também revela que Shiva enquanto princípio da manifestação é um princípio abstracto, ensina, mas não age. É Shaktí, a natureza primordial indiferenciada, a Mãe universal, ou potência da manifestação, que actua, executando as práticas do método que transmitimos. Shiva representa a causa eficiente – nimitta karana – e Shaktí representa a causa material – upadana karana – e da sua união nascem todas as outras formas do ser. A evolução de Matsya é um símbolo da práxis transformadora de Shakti.

Devo acrescentar que, nos shástra, quando se relata Shiva a ensinar a Shakti, estes textos são os ágama. Quando é Shaktí a ensinar a Shiva, recebem o nome de nigama.

 

 (C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

A simbologia da história de Ganêsha

Ganêsha é filho de Shiva e Parvati. O nome deriva da combinação das palavras sânscritas gana (demónio, exército) e isha (Senhor) = Ganêsha – Senhor dos exércitos de demónios de Shiva. O mito de Ganêsha, escrito nos purána[1], conta que Shiva, após uma longa ausência nas montanhas, regressou e encontrou um guardião de sua esposa Parvati, com ordem para não deixar passar ninguém sem autorização de Parvati. Todos os outros guardiães desobedeciam quando quem se tratava do Mahêshwara Shiva querendo entrar em sua própria casa. Parvati decidiu, então, arranjar um guardião que só lhe obedecesse e a mais ninguém. Tal como fazem os deuses, a partir do barro, matéria, amassada com o orvalho do seu corpo, insuflou-lhe vida e criou um filho. Este era o seu guardião pessoal, o seu dwarapala – o porteiro. Quando Shiva regressou da montanha, o porteiro opôs-se à entrada deste. O menino impediu a passagem do seu senhor e pai. Nada do que Shiva lhe disse o demoveu. Chegou a agredir Shiva. Parvati tomava banho e o menino tinha ordens para não deixar entrar ninguém. Seguiu-se uma luta feroz, épica, lendária, entre o exército de bhutaganas de Shiva e Ganêsha, que lutou contra todos os demónios do pai, vencendo-os. Vishnu, outro deus da trindade hindu interveio contra Ganêsha, mas também a derrota foi o que obteve. Até que então Shiva o matou com a trishula, separando-lhe a cabeça do corpo. Parvati, ao ver seu filho morto, ameaçou destruir todo o mundo. Shiva deu, então, ordem aos seus gana que procurassem na floresta e lhe trouxessem a cabeça do primeiro animal vivo que encontrassem no caminho. Foi um elefante que encontraram. Shiva colocou a cabeça desse elefante no corpo do menino e ressuscitou-o. Reconheceu-o como seu filho e deu-lhe o nome de Ganêsha.

É conhecido como Gâjanana – cara de elefante, mas também como Gânapati – o senhor dos gana.

É o deus dos letrados e da inteligência. É representado com um só dente, pois foi ele que escreveu o Mahábharata. Vyassa, o autor da obra, contou a história e Ganêsha, para que não se perdesse, partiu uma das suas presas e com ela foi escrevendo. É o deus da inteligência porque participa das duas criaturas mais inteligentes, o homem e o elefante.

Várias vezes deu provas da sua inteligência.

Quando Shiva e Parvati tiveram de decidir qual dos filhos casaria primeiro, Ganêsha ou o seu irmão Skanda, comunicaram-lhes que aquele que desse primeiro a volta ao mundo seria o primeiro a casar. Subrahmanya, outro dos nomes de Skanda, imediatamente partiu veloz como o vento. Ganêsha, pesado, corpulento, com uma grande barriga e incapaz de vencer o irmão em proezas atléticas, primeiro saudou, respeitosamente, os pais e só então é que se dispôs a cumprir a sua obrigação. E iniciou uma caminhada em torno de Shiva e Shaktí, no sentido dos ponteiros do relógio (prakshina), dando sete voltas em torno dos destes. Ao terminar, os pais perguntaram-lhe: – porque fazes isso? E Ganêsha respondeu-lhes: – Não sois vós o Universo? E não dizem os Vêda que aquele que faz sete prakshina em torno dos pais tem mais valor do que os que dão sete voltas ao mundo? E ganhou a competição com o irmão, casando primeiro.

É o senhor dos obstáculos, podendo ajudar-nos a ultrapassá-los ou a dificultar-nos todas as tarefas. Como senhor da porta, é também o guardião dos mistérios. É o senhor do labirinto – o labirinto de nadí existente no nosso corpo e que a energia serpentina terá de atravessar.

Shiva corta a arrogância ignorante do filho, que apenas quer cumprir o swádharma. Pelo qual deixa de reconhecer a substância primordial – Shiva. O pai admira a sua coragem, tenta tudo para o iluminar, mas não pode deixar a ignorância vencer. E então Ganêsha morre para a vida profana. Renascendo para a sabedoria e a iluminação.

 

(C)Copyright,  João Camacho, Yôgachárya

[1] “Os Puránas (as Antigas Crónicas) são textos longos, semelhantes à Bíblia, nos quais foram transcritas e resumidas traduções orais que remontam a um período longínquo como, por exemplo, a história do dilúvio, a domesticação do fogo, as migrações dos povos.

Esses textos contêm elementos históricos e geográficos, genealogias que vão, às vezes, até ao sexto milénio a. C., relatos mitológicos, ensinamentos rituais ou técnicos (medicina, arquitectura, pintura, música, dança, etc.) ensinamentos filosóficos, códigos sociais e morais. Formam verdadeiras enciclopédias.» in Danielou, Shiva e Dionoso, p. 33.

A CAIXA DE PANDORA

Epístolas aos meus discípulos:

A CAIXA DE PANDORA

Gnose, a finitude da vida e a supra consciência

 

Meus queridos

 

Os textos que produzo têm-vos como destinatários. Tal como acontece com este, onde, essencialmente, pretendo, deixar algumas notas acerca do simbolismo da caixa.

 

E já que vou falar da caixa e do seu simbolismo, permitam-me deixar-vos algumas classificações conceptuais. São apenas alguns apontamentos que reuni e que partilharei com todos vós.

Antes de mais a distinção de Eliade, sábio, companheiro mais adiantado, como este mestre gostava de a si próprio de designar. Segundo ele há duas grandes categorias de símbolos:

 

1 – Uranianos: seres celestes, deuses da tempestade, cultos solares, mística lunar, epifanias aquáticas, etc.

2 – Ctonianos: pedras, terra, mulheres, fecundidade, reprodução, cavernas, infernos, etc.

 

A estas duas categorias ainda se juntam os símbolos do espaço e do tempo e a dinâmica do eterno retorno, esta muito querida à mitologia grega, mas também à metafísica hindu.

 

Há muitas outras classificações de categorias de símbolos mas, pessoalmente, sem ignorar as outras (a de Krappe, La Genèse dês mythes, – símbolos celestes e terrestres; a de Bachelard, – distribui os símbolos em função dos quatros elementos da divisão esotérica, terra, água, fogo e ar; a de Dumézil, – distribui os símbolos em função de três categorias; a de Piganiol – entre os símbolos dos pastores e nómadas e os símbolos dos lavradores e sedentários; a de Pryzulski, – baseia a divisão na ideia da evolução do pensamento religioso, primeiro, o culto da Grande Deusa, depois, os símbolos do Pai e do Filho; a da Psicanálise de Freud, – o eixo do prazer e os níveis oral, anal e sexual dos símbolos, em função de uma libido recalcada; a de Adler que substitui este princípio, o do prazer, pelo do poder, – a compensação do complexo de inferioridade gera a profusão de símbolos; a de Jung, a quem devemos a introdução na ciência do conceito de inconsciente colectivo, – os símbolos ocorrem e classificam-se em função dos processos de introversão e extroversão, em função dos processos de individuação, tendo a ver com a fase evolutiva de cada um, e outras fenómenos. Jung não sistematizou, apesar da sua grande obra sobre a simbologia, de leitura indispensável. E muitos outros que nem sequer exponho, apesar da sua grandeza, entre estes Gilbert Durand.

 

Então passemos a algumas distinções conceptuais, absolutamente necessárias.

 

Assim, distingamos símbolo destas outras categorias:

 

Emblema – é uma figura visível que representa uma ideia, um ser físico ou moral. Uma bandeira é um exemplo de emblema.

 

Atributo – é uma imagem que serve de signo a uma personagem, a um colectivo ou a um ser moral. Asas, são um atributo do ar, de uma empresa de aviação; um porco, atributo de um talho; a balança atributo da justiça, etc…

 

Alegoria – é uma figuração duma proeza, de um grande feito que é ou virá a ser lendário. Pode também ser duma situação, de uma virtude superior, ou dum ser abstracto. Essa figuração pode surgir sob forma vegetal, animal, humana. A mulher alada é a alegoria da vitória; a mulher jovem, de seios desnudados e generosos, é a alegoria do regime republicano; a mulher vendada, com uma balança nas mãos é a alegoria da justiça. A alegoria não implica naquele que a conhece a passagem a um outro nível ontológico. O que contacta com a alegoria poderá fazê-lo com a segurança de permanecer no mesmo nível de consciência em que se encontrava, pois apenas implica uma operação de lógica-dedutiva, própria do pensamento discursivo.

 

Metáfora – é o desenvolvimento duma comparação entre dois seres, ou duas situações, através de uma infinidade verbal, que essa sim pode, tem a potencialidade de, nos arrastar para outro nível de consciência, sem o qual, por vezes, a metáfora perde parte do seu sentido, ou até se torna incompreensível para o destinatário.

 

Analogia – também aqui a comparação entre seres ou noções, mas agora diferentes, mas nalguns pontos semelhantes.

 

Sintoma – modificação nas aparências ou no funcionamento habitual que pode revelar, ao observador, uma certa perturbação, ou conflito; já a síndroma resulta de um conjunto de sintomas que caracterizam uma situação de conflito em evolução através do qual é possível pressagiar o futuro.

 

Parábola – pretende, para além do seu sentido, constituir uma lição moral.

 

Todas estas formas são figurações do símbolo que têm em comum o facto de serem signos, meios de comunicação, que não ultrapassam, na maioria das vezes, o plano do conhecimento imaginativo ou intelectual. São símbolos arrefecidos, como lhes chama Hegel.

 

Já o símbolo pretende ser verdadeiramente inovador. O símbolo deve ser organizador da consciência, das sensações e de toda a vida psíquica. Pretende operar uma viragem no ser que o usa. Não pretende apenas a ressonância, mas sim a transformação em profundidade daquele que o conhece. Cumpre uma função mediadora, lançando pontes entre elementos separados. Religando os céus e as terras; a matéria e o espírito; o real e o sonho; o inconsciente e o consciente. Um verdadeiro símbolo consegue condensar a experiência total do ser humano, enquanto ser religioso, cósmico, social, psíquico (nos 3 níveis: inconsciente, consciente e supraconsciente). Resultando, o símbolo como unificador.

 

Mas toda esta conversa para chegar ao simbolismo da caixa. Onde se inclui também a de Pandora.

 

Certamente que já repararam que do oriente em geral e, no que nos interessa, da Índia em especial, nos chegam caixas e caixinhas, de todos os tamanhos e feitios.

 

Desde logo é necessário referir que a caixa é um símbolo feminino, frágil. Mas pode conter também o que é temível, tenebroso.

 

A caixa protege. Mas pode sufocar.

 

A caixa deverá ser aberta? Há sempre a tentação de abrir uma caixa. Assim como os homens muitas vezes se tentam a desvendar, a descobrir, uma mulher. Mas o vaso, ou a caixa de Pandora, ficou para a lenda como o aviso de que, às vezes, é preferível não a abrir. A caixa de Pandora continha, guardava, sufocava, protegia, fechava, doenças, males e maldições dolorosas e que trazem a dor, a doença e a morte aos seres humanos. Mas a mulher quis conhecer aquele poder profundo e oculto, pois não é ela, por excelência, profundidade e ocultação? E, não resistindo, Pandora levantou a tampa da caixa, libertando no mundo os males, as pestilências, as maldições, as doenças, de que ainda hoje padecemos. Pandora, aterrorizada, incapaz de pensar claramente com medo do que tinha libertado no mundo, fechou rapidamente a tampa, não percebendo que, dentro da caixa indestrutível, havia deixado a única possibilidade de salvação do ser humano – a Esperança. E ainda hoje lá está.

 

Neste mito, emocionante, a esperança, catapulta-nos para o conhecimento, para a evolução pessoal, para a ascese. Pois a Esperança, encerrada dentro da caixa de Pandora, é o inconsciente. E só os que aprofundam na busca interna conseguem trazê-la à luz do dia. Mas é necessária a disciplina sistemática o Yôga nos proporciona. Pois as forças inconscientes são, por natureza, imprevisíveis, excessivas, irracionais, e podem ser construtivas ou destrutivas.

 

Este mito, resultante do símbolo da caixa, pretende alertar-nos para o facto de que as caixas, ricamente ornamentadas, ou simples e singelas, têm um valor simbólico pelo seu conteúdo. Pelo que abrir uma caixa implica sempre correr um risco. Temam as caixas e decidam sempre se querem correr o risco de as abrir. Nunca se sabe o que lá vamos encontrar. E não é assim, também, quando nos procuramos?

 

O Atharva-Vêdá, assim como alguns Upanishad, referem a caixa de ouro, como símbolo do misterioso vazio interior que encerra e protege um tesouro de valor incalculável: o Sí mesmo. Esta caixa de ouro contém três cavidades, destinadas ao inconsciente, consciente e supraconsciente.

 

Ainda acerca das misérias que a caixa pode encerrar, não resta ao homem se não viver, agora, o presente, com aquilo que de melhor lhe for possível. É o que Homero, que o J. se afadiga a ler, ensina: ao homem resta viver totalmente, mas com nobreza, no presente. E essa é a sabedoria humana, a Esperança, encerrada na caixa. É a sabedoria que advém da consciência da finitude e precariedade da vida humana. Pelo que se deve aproveitar o que nos seja oferecido pelo presente; a juventude, a saúde, a alegria, ou a oportunidade de exercer virtudes. Mas devemos fazê-lo a cada momento.

 

É da consciência dessa finitude da vida humana que nascem as técnicas do Yôga e da necessidade de, no tempo de uma vida realizar a perfeição, alcançar o estado de jiva mukta. Dessa consciência de finitude, nasce a necessidade de transcender a condição humana, a alegria de viver (e aqui entenda-se como a satisfação pelo existir, pelo participar na majestade da vida e do mundo), o valor sagrado da sexualidade, da experiência erótica – intensa acima de quase todas as outras, da beleza do corpo humano e da sua nudez, mas também o júbilo da função religiosa colectiva – danças, rodas, cortejos, jogos, refeições comunitárias, etc… É da consciência dessa finitude que também nasce o sentido transcendente da percepção da perfeição do corpo humano – a beleza física, a harmonia dos movimentos de corpo, a serenidade, a sensualidade, que este pode transmitir, que inspirou sempre os artistas. E não deveríamos praticar Yôga nus? Não deveríamos cultivar uma estética própria do Yôga?

 

Mas, para uma “caixa”, já me alonguei em excesso. Desculpem-me esta verborreia, por vezes, interminável. Mas há coisas que, se não as digo, morro.

 

SwáSthya

 

(C)Copyright, João Camacho, Yôgachárya

Discípulo de Shrí DeRose

 

«Sou irmão de dragões e companheiro de corujas.»

1000 pétalas

1000 pétalas

Através de um livro de 1952, O reverendo Leadbeater, adepto da teosofia, induz em erro os seus leitores, com uma informação menos exacta acerca do sahásrara. Publicamos um texto do Mestre Goswami, onde se corrige tal erro.

               Devido às deficiências que existem na compreensão dos princípios do Yôga, tem havido muitas ilusões e incompreensões sobre os chakra e sobretudo sobre a kundaliní. Eis como exemplo a interpretação dos teósofos sobre o assunto. Para começar, os teosofistas adquiriram os seus conhecimentos sobre Kundaliní e os chakra, nos trabalhos sânscritos que tratam do assunto. Mas, em seguida, as narrações originais foram distorcidas, quer propositadamente, quer devido a uma falta de compreensão, que necessita, em primeiro lugar, de conhecimento técnico e em segundo lugar das instruções directas de um Mestre. Vamos dar um exemplo: C. W. Leadbeater (Leadbeater, C. W., Os chakras, The Theosophical Publishing House, Adyar, Madras 20, Índia, 1952, na p. 20) diz que o chakra coronário, (o sahásrara), descrito nos livros indianos como tendo mil pétalas, o que não está nada longe da realidade, tem somente, 960 irradiações (i. e., pétalas) da sua força primária no círculo exterior. Significa que o sahásrara teria somente 960 pétalas em vez de 1 000. Isto indica uma completa falta de compreensão da organização do sahásrara. O sahásrara é a expansão do bíndu pránico que está num estado supremamente concentrado quando o prána se torna patente e causa uma emissão de 50 unidades-força, e cada uma destas unidades é    multiplicada    20 vezes para manifestar a sua plena criatividade. Isto significa  50 x 20 = 1 000, e assim, o sahásrara tem exactamente 1 000 pétalas, nem mais, nem menos.

Podemos não ter nada contra uma experiência pessoal ou de grupo de pesquisa, mas quando tais experiências recentemente adquiridas são apresentadas para desafiar as antiquíssimas experiências yôgis, que têm sido verificadas pelos yôgis desde tempos imemoriais, torna-se como uma ‘rã num poço a desafiar uma rã do oceano’.”

Shyam Sundar Goswami, Laya Yôga, p. xvii