Por JOÃO CAMACHO
Como tem acontecido com outros artigos de minha autoria, também este foi preparado para servir de suporte a uma palestra que proferi no Encontro Nacional de Yoga, em Évora, que decorreu nos dias 6, 7 e 8 de Abril de 2001.
Após a exposição da “teoria”, convidei os participantes a participarem na “prática” na Brahmamuhurta, ou seja, na hora da meditação. Tem-se por certo que isto significa 4 horas da manhã. E foi esta a hora que usamos. Mas, em rigor, a hora da meditação é aquela que antecede o nascer do sol. E assim, em qualquer latitude, só precisamos descobrir a que horas o sol nasce e uma hora antes iniciar a prática de meditação.
Passemos então a reproduzir o texto da palestra:
Classificação dos graus de meditação:
Tem função pedagógica e analítica. Três graus:
1.º Grau – yantra dhyána – concentração em símbolos.
Neste grau, o mais baixo, a concentração da mente é feita sobre Yantra – símbolos concentradores da mente. Podem ser objectos, figuras geométricas, mandala, etc. em seguida mostram-se alguns dos símbolos possíveis.
É um tipo de objecto mais subtil do que o anterior.
3.º Grau – yantra mantra dhyána – concentração em símbolos e em sons
Juntam-se os sons e os símbolos. Junta-se o yantra e o mantra e a mente concentra-se sobre os dois em simultâneo. Por exemplo, concentra-se a mente no símbolo do Yoga e na vibração deste símbolo.
OM
4.º Grau – ajapa japa
Neste grau, que significa repetição sem repetição, o objecto da concentração da mente é o som interno produzido pela passagem do ar no interior do corpo na inspiração e na expiração. Esta técnica é muito mais subtil do que aquelas que se encontram no grua de mantra dhyána. Esta técnica por vezes surge associada aos mantra SO HAM. Resulta da deturpação que foi feita desta técnica na Idade Média. Alguns mestres ensinaram-na a alguns discípulos, com a utilização dos sons referidos. Por incapacidade dos discípulos em perceberem os sons internos. Na sua pureza é uma técnica muito subtil.
5.º Grau – tantra dhyána – reservado, forma iniciática
Este grau é reservado, iniciático. Só quando o mestre transmite a iniciação é que o discípulo pode utilizar este grau.
Samyama
Dhárana é concentração da mente obre um só ponto. Ou seja ekagrata. Quando o Yogi consegue unir todos os pontos que representam os turbilhões da consciência e concentra-la num só dá-se a concentração. Se esta perdura, pelo menos pelo tempo de 12 respirações, passa ao dhyána. Deste ao samádhi. Podem ocorrer desvios que se devem evitar. Um para o trabalho intelectual. O menos pernicioso dos desvios. O outro para a auto-hipnose. Este deve ser totalmente de evitar. O samádhi é hiperlucidez, não se compadece com diminuição de lucidez.
OS OBSTÁCULOS
Segundo Patañjali [1] OS OBSTÁCULOS à meditação e ao samádhi são:
I – 30: as distracções da mente, causadas por: – enfermidade – apatia – dúvida – falta de entusiasmo – indolência – apego – noções erradas – instabilidade
II – 3: – a ignorância – o egoísmo – o desejo – a aversão IV – 27: – Também os pensamentos resultantes dos samskara III – 37: – Os siddhi.
O Yoga de Patañjali tem uma divisão em oito partes.
DÁRSHANA YOGA
O Yoga de Patañjali tem a organização que acima se enumera. Os três últimos anga constituem samyama.
Para uma boa concentração o Yogi deve abstrair os sentidos físicos e virar-se para o interior.
PRÁTYÁHARA
Bhagawad Guitá II – 58
E, quando ele recolhe os seus sentidos, tal como a tartaruga as suas patas, de todos os objectos dos sentidos; ele é um sábio firmemente equilibrado.
Katha upanishada Quando os cinco sentidos e a mente estão parados, e a própria razão descansa em silêncio, então começa o caminho supremo.
Chandogya upanishada
Concentrando em si todos os seus sentidos
DHÁRANA
Provém da raiz dhr – manter fechado
Bhagawad Guitá II – 65 E, na serenidade, para ele, não há mais qualquer espécie d’infortunio ou d’entrave, porque, co’a consciência em paz imensa, esse mantém o intelecto inabalável.
Yoga Sútra III – 1 A fixação da actividade mental sobre um lugar circunscrito é a concentração.
DHYÁNA
Prolongado a concentração sobre um objecto esta transforma-se em Dhyána. Vyása nos seus comentários ao Yoga Sútra, define assim:
“Continuo de esforço mental para assimilar o objecto da meditação, livre de todo outro esforço de assimilar outros objectos.”
Esta técnica é apenas o aperfeiçoamento da anterior.
Yoga Sútra, III – 2
Um fluxo continuo de cognição centrado sobre um ponto é chamado meditação.
Dhyána permite penetrar, assimilar o objecto da meditação. A trilogia, sujeito cognoscente, objecto cognoscível, acto de conhecer, cessam e confundem-se. O objecto e o sujeito passam a ser um só. Esta penetração, esta assimilação do objecto é acompanhada de um estado de coerência, dum estado de lucidez total. A meditação é sempre um instrumento de penetração na essência das coisas, lucidamente usado pelo Yogi. Em ultima análise é um instrumento de apreensão do real.
E o intelecto? É útil, é necessário, torna a progressão mais rápida. O intelecto facilita a libertação e a revelação. Não só ele surge na cosmogonia do sámkhya, como uma manifestação perfeita da prakruti, como facilita o processo de libertação graças às suas possibilidades dinâmicas. A intuição intelectual é ainda mais imediata do que a intuição sensível. A consequência da identificação é que conhecer e ser passam a ser uma e mesma coisa.
SAMÁDHI
Quando este fluxo continuo se mantém, os inumeráveis pensamentos e distracções que perturbam se vão, a lucidez do yogi se intensifica, excluindo toda a sonolência, dissipando a bruma mental, a sombra, a reserva e revelando o objecto numa claridade directa e fixa, continua, a meditação transforma-se em samádhi.
Yoga Sútra III – 3
Quando só o objecto da meditação resplandece na consciência, esvaziando-se da sua própria natureza, é o samádhi,
Ou seja e dito de outra forma, através de prátyáhara, os sentidos retiram-se do mundo exterior e convergem na faculdade mental (manas); pelo dhárana e pelo dhyána, as modalidades do psiquismo são suspensas e unificadas ao eu individual (ahamkara); no samádhi com suporte (sabija samádhi), o eu é reabsorvido em buddhi, o princípio da inteligência, do intelecto puro, informal e supra-individual; no samádhi sem semente, Buddhi é ele próprio absorvido no eu absoluto (purusha).
Vyása chega a proclamar Yoga é o samádhi.
O samádhi tem os níveis. Níveis que o yoguin deve conquistar um a um. Não pode saltá-los. Terá de passar pelo anterior antes de alcançar o seguinte.
Os vários níveis de samádhi
SABIJA SAMÁDHI
SAMPRAGÑATA SAMÁDHI (Cognitivo)
Neste nível, seja qual for o objecto sobre o qual o Yogi faça samyama, obtém um conhecimento integral. Divide-se em,
Savitarka samádhi – samádhi argumentativo: a noção do objecto, a palavra, que designa o objecto, a percepção imediata deste está presente. Por exemplo se utilizarmos como objecto uma flor, a palavra flor, a ideia genérica de flor, a impressão senhorial criada pela flor, são apreendidas em bloco.
Nirvitarka Samádhi : Samádhi não argumentativo – Neste o objecto revela-se directamente, despejado de toda a representação mental.
SAVICHARA SAMÁDHI – Samádhi reflexivo – Absorção dos elementos subtis, mas somente nas suas propriedades presentes, condicionadas pelo espaço, tempo e causalidade. O yogi não tem conhecimento do que foi ou será o objecto da meditação.
NIRVICHARA SAMÁDHI – Este tipo de samádhi permite conhecer o objecto da meditação, dos eus elementos subtis, mas também o seu passado e o seu futuro, ou seja a totalidade de transformações de que o objecto é susceptível.
SANANDA SAMÁDHI – A concentração é feita sobre objectos mais subtis. Sobre a substância mental .Produz felicidade. Há um apaziguar das funções cognitivas.
SASMITA SAMÁDHI – É o samádhi sobre o sentimento do eu, ou sobre a pura consciência do eu., despojada de todos os atributos. Até para lá do sentimento de beatitude do nível anterior. É o samádhi sobre o conhecedor.
ASAMPRAGÑATA SAMÁDHI (Supra cognitivo)
Todos os vrtti cessaram, só restam os samskara, as impressões inconscientes.
NIRBIJA SAMÁDHI Dharma Megha samádhi (Nuvem de virtude)
Quando inclusive os samskara cessam, quando cessa a distinção entre a consciência pura e a consciência do Eu, então o yogi alcança Kaivalya (libertação) e é um jiva mukta (o liberto vivo). É um verdadeiro estado de transcendência. O Yogi de algum modo alcançou a unidade primordial, infinita e eterna, contudo, num corpo finito e temporal
BIBLIOGRAFIA
1 – DANIÉLOU, Alain, Yoga, méthode de réintégration, col. Nouveaux Commentaires, Sciences humaines, Civilizations, 2.ª edição revista e aumentada, Ed. L’Arche, Agosto de 1983, Paris, 211 pgs.. 2 – ELIADE, Mircea, Yoga, Inmortalidad Y Libertad, Editorial La Pleyade, 1988, Buenos Aires, Argentina, 412 pgs.. 3 – Pátañjali et le Yoga, col. «Maitres spirituels», Editions Le Seuil, 1989, Paris, 185 pgs.. 4 – GOSWAMI, Shyam Sundar, LAYA YOGA. The definitive guide to the chakras anda kundaliní, Ed. Inner Traditions, 1999, Rchester, Vermont, USA, 342 pgs.. 5 – MICHAEL, Tara, Yoga, col. Points – série sagesses, Editions du Rocher, Janeiro 1995, Paris, 237 pgs.. 5 – PÁTAÑJALI, Yoga Sútra, tradução e comentários De Rose, 2ª edição, Ed. Martin Claret e Uni-Yoga, 1996, São Paulo, Brasil, 159 pgs.. 6 – Sem autor conhecido, Os Upanishades, col livros de bolso, Publicações Europa-América, 1982, 115 pgs. 7 – SIVANANDA, Swâmi Sarasvati, La pratique de la méditation, col. Spiritualités vivantes – Série Hindouisme, Ed. Albin Michel, Março de 1982, Paris, 376 pgs.. 8 – TAIMNI, I. K., A ciência do Yoga (comentários sobre os Yoga-Sútras de Patañjali à Luz do Pensamento Moderno), Ed. Teosófica, 1996, Brasília, 343 pgs.. 9 – VISHNUDÊVÁNANDA, Swami, Meditacion Y Mantras, edição abreviada, 2ª edição, col. El Libro de Bolsillo, Alianza Editorial, 1984, Madrid, 317 pgs.. 10 – VYASSA, Poema do Senhor (Bhagavad-Guitá), Transcrição, Introdução, Notas e Glossário de António Barahona. Edição patrocinada pela Fundação Oriente, Relógio D’Água Editores, Novembro de 1996, Lisboa, 457 pgs.. [1] Yoga Sútra. |
JOÃO CAMACHO
Yogachárya Docente formado pela Uni-Yoga – União Nacional de Yoga de Portugal
2º Dan de Judo – Presidente do Yudanshakai da Associação de Judo Tradicional de Portugal
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