Um povo novo, de pele morena e cabelos lisos, que fala uma língua aglutinante, aparece na Índia, entre os povos munda, durante o neolítico. Esse povo e a sua religião, o shivaísmo, iriam representar um papel fundamental na história da humanidade. A origem desse povo, que denominamos dravidiano (do prakrit damila: tâmul), é obscura. Segundo a tradição, teria vindo de um continente, tragado pelo mar, situado ao sudoeste da Índia. Esse mito faz pensar no mito de Atlântida. Não é impossível que outras ramificações do mesmo povo tenham chegado a África e ao Mediterrâneo; daí a dificukdade em atribuir, com certeza um lugar de origem à revelação shivaísta ou dionisíaca.
“O povo que criou e desenvolveu a primeira civilização greco-oriental, cujo principal centro foi a ilha de Minos, apesar de suas relações com a Mesopotâmia e o Egipto, parece não ter sido nem ‘grego’, nem semítico, nem indo-europeu… É possível supor… uma disseminação do povo em questão através de toda a Grécia… há na língua grega um substracto de palavras de origem estrangeira… que devem ter sobrevivido através dos tempos, apesar da ocupação do país por diversos invasores… Discute-se ainda sobre a origem, se anatoliana, se pelasga, e assim proto-indo-européia… A língua formada desse modo foi falada na Egeia, em toda a Grécia e no sudoeste da Anatólia” (Charles Picard, Les religions préhelléniques, pp. 53-54).
A língua e a cultura dravidianas, que ainda hoje são as das populações do sul da Índia, parecem ter estendido a sua infkuência, da Índia ao Mediterrâneo, antes das invasões arianas. Foi essa civilização, cujos vestígios linguísticos, tais como o georgiano, o basco, o peul, o gancho, os dialectos do Beluchistão, ainda existem nas regiões periféricas, que serviu como veículo ao antigo shivaísmo. Parece que o sumério, o pelasgo, o etrusco, o lídio, assim como o eteocretense, pertenceram à mesma família linguística. As relações do sumério, do georgiano e do tâmil não deixam nenhuma dúvida. Por outro lado, a língua basca (eskuara) e o georgiano têm a mesma estrutura e, ainda hoje, possuem mais de trezentas e sessenta palavras em comum. As danças e os cantos bascos são, aliás, aparentados com os dos iberos do Cáucaso. Heródoto (Histórias, I, 57) fala da língua bárbara que era utilizada pelos Pelasgos que, em sua época, teriam vivido no sul da Itália e no Helesponto. Ele acreditava que a língua pelásgica estivesse estreitamente ligada ao etrusco e ao lídio. São Paulo, que naufragou em Malta em 69 d. C., menciona a língua “bárbara” (não ariana) que ainda era falada ali. “O lugar de origem dos Pelasgos situava-se além do mar Negro. Teriam vindo a Creta por volta do começo do segundo milénio a. C. O nome do lugar onde residiam, Larisa, comprova-o.” (R. F. Willets, Cretan Cults and Festivals, p. 133).
Segundo Jacques Heurgon (La vie quotidienne chez les étrusques, pp. 14-15): “Os etruscos não seriam recém-chegados na Itália, mas os primeiros ocupantes de uma terra, cuja soberania as invasões indo-europeias haviam arrebatado, sem eliminá-los completamente… Eram descendentes irredutíveis da idade do bronze… As relações entre o etrusco e o caucásio, o lício, a fala de Lemmos, [indicam a existência] de uma língua etrusca asianica, usada antes na Itália, na península balcânica, no mar Egeu e na Ásia Menor [e repelida] pela pressão linguísystica dos invasores.”
A linguística eteocretense falada pelos habitantes de Praisos, em Creta, até ao século III a, C., era, portanto, um vestígio da língua original falada na Grécia, em Creta e nas ilhas, assim como no sudoeste da Ásia Menor antes dos gregos. Inscrições de Parisos em caracteres gregos ainda não foram decifradas.” (R. F. Willetts, Cretan Cults and Festivals, p. 136) Aparentemente essa era uma língua dravidiana. Ao que parece, os linguistas modernos não pensaram em utilizar as línguas aglutinantes dravidianas, ainda vivas no sul da índia, como base de suas pesqeuisas sobre as linguagens antigaos do mundo mediterrânico.
O mito da origem ariana das civilizações, que René Guénon denominava “a ilusão clássica”, está longe de ser esquecido. As línguas dravidianas têm uma origem comum com as línguas fino-ugrianas (baltofinês, húngaro, volgáico, uralianao, samoiedo) e altaicas (turco, mongol, esquimó), mas parece que a divisão dessa grande família linguística e do grupo dra´vido-mediterrãn icao, durante o paleolítico, é muito anterior á formulação do shivaísmo tal como o conhecemos.
No Médio Oriente e em todo o mundo mediterrânico, estamos, na realidade, em presença de uma importnte civilização de origem asiática ou pelo menos ligada linguisticamente à Ásia antes das invasões arianas. Por outro lado, os monumentos megalíticos, os mitos e as tradições religiosas comuns á Índia e ao Mediterrâneo indicam que essa civilizção era provavelmente o veículo do shivaísmo.
Desde o quarto milénio, “o mito de Anat pode ser classificado entre os elementos comuns da velha civilizção agrícola que se estendia do mediterrâneo oriental até à planície gangética.”. (M. Eliade, Historie dês croyances et d~es idées religieuses, p. 169)
Após o último glaciar, as grandes migrações culturais, que vão da Índia a Portugal, começaram, num clima finalmente amis ameno, durante o quinto milénio, mas é apenas a partir do terceiro milénio, que encontramos vestígios, a nível civilização avançada, de culturas que levam a marca inegável do pensamenteo, dos mitos, dos símbolos shivaístas e que são todas aproximadamente contemporâneas, quer se trate das cidades do Indo, da Suméria, de Creta ou de Malta. À mesma cultura pertencem os satuários megalíticos que se encontram por toda a parte, da Índia ao Extremo Ocidente, mas, as vezes, são os únicos vestígios que sobreviveram dessa prestigiosa civilização, como é o caso em Armórica e nas Ilhas Britânicas. O facto de que os principais vestígios arqueológicos sejam contemporâneos, mas a níveis técnicos aparentementw difrentes, não exclui a presença de uma civilização elevada. Sua preservação depende unicamente do emprego de certos materiais e de condições climáticas ou, às vezes, da destruição total de certos sítios pelos invasores ou pelas catástrofes naturais, tais como as explosões de Santorin ou do Vesúvio.)
Alain Daniélou, Shiva e Dionísio, pp. 14-16.